oito décadas e alguns trocados
Após três anos de seu falecimento, a morte de Viana precisa ser reencarada dando lugar a uma peregrinação de novos encontros.

OITO DÉCADAS E ALGUNS TROCADOS
produção
CAMILA FIALHO
roteiro e direção
JOSÉ VIANA
sinopse
Passados três anos, a morte de Viana precisa ser novamente encarada, dando lugar a uma peregrinação de novos encontros. Cresce a pergunta, até onde seguir filmando? Entre o Rio de Janeiro e o Pará, o filme recolhe uma coleção de memórias, pessoas e afetos.
Versão sonora do roteiro (fevereiro 2025)
Versão escrita do roteiro (março 2025)
SEQUÊNCIA 1 - Abertura
1. INT. CEMITÉRIO MARICÁ - DIA
Em tela preta, ouvimos o som do trabalho de uma marreta abrindo um buraco na parede. Aparecem as logomarcas das produtoras e patrocinadoras do filme.
Estamos em uma ala coberta do cemitério. O coveiro retira o caixão de um nicho. À certa distância, a câmera observa a cena, no contra-luz. Ao fundo o cemitério à céu aberto. O COVEIRO retira os ossos e guarda-os numa caixa de plástico. [cut]
Em seguida, num plano de costas, vemos ZÉ caminhar em direção à saída do cemitério carregando a caixa de plástico com as próprias mãos.
> A imagem gradualmente se desfaz para tela branca.
SEQUÊNCIA 2 - Apresentação de personagem
2. INT. RESTAURANTE - JULIA COMENTA FOTOS - TARDE
JÚLIA
E aí eu fiz essas fotos na pandemia. Nunca soube muito bem o que fazer com elas. Essa daqui foi no carnaval, na porta da vila, e ai essas máscaras, é porque eles estavam indo pro Bloco dos Sujos, que era um negócio muito comum antigamente, que hoje a gente não tem mais. Hoje em Niterói não existe mais o bloco dos sujos, que a galera cortava uma fronha, botava na cabeça, cortava assim uma máscara, o olhinho e tava pronto, daí ficava balançando umas latas. E aqui ó, que eu acho muito legal, é o vovô, grande, com os filhos, de máscara, com essa fronha na cabeça, de sujo.
JUNIOR
E esses?
JÚLIA
Esses são o Flávio, Marcelo e no meio é o papai.
EWA
O Zé! Rsrs.
JÚLIA
E essa aqui foi aquele dia que a gente foi no Ximeninho com ele, que tava difícil de arrumar mesa, aí ele foi sentando, aí tinha uma mulher do lado, que aí ela ficou, não, que ele chegou na mesa e disse, - vocês poderiam mudar pra outra mesa, pra gente sentar aqui?; ai todo mundo ficou, vô, pelo amor de deus!
JUNIOR
Apenas pare!
JÚLIA
Ah, que engraçado, eu vi que eu escrevi aqui atrás uma coisa que ele falava muito, que é isso de, No creo en brujas, pero que hay, hay.
EWA
Ele dizia isso?
JÚLIA
O tempo todo !
EWA
Sério, como lema..
JÚLIA
Sobre essa coisa dos mistérios da vida. E esse foi um dia que a gente foi almoçar ali no centro de Niterói, e ele apareceu extremamente paraense, paysandu, e eu fiz uma coisa, que eu até botei escondido na minha mochila, pra Diná nem sonhar em ver isso. Eu juro. [cut] Comprei num brechó e trouxe escondido na minha mochila pra andar com ela em Capanema, olha isso. [...] Uma homenagem ao meu vôzinho. [cut]
3. INT. AP LAPA - JUNIOR E VIANA NO ELEVADOR - MANHÃ
JUNIOR e VIANA descem juntos pelo elevador.
VIANA
Trouxe a câmera? Égua, é muito conforto. Não vai filmar eu coçando o saco não. Sim, eu tava lendo um negócio de idoso que dizia pra tomar bastante água. Ai eu pensei, bom, eu tô dentro. Só não fiz os outros nove itens.
A porta do elevador se abre e os dois saem. Faz sol no bairro da Lapa, Rio de Janeiro. Ouvimos o barulho da rua. (congela na tela o último frame da imagem, o som da rua dura mais).
4. EXT. RUAS DA LAPA - HORA DO ALMOÇO - CLIPE RUA
Montagem de imagens das ruas da lapa. Carros, motos, bicicletas, transeuntes.
NARRADOR
Era ali, eu acho, talvez mudou um pouco.
5. INT. RESTAURANTE LAPA - TARDE - CHOPPINHO
VIANA e JUNIOR batem-papo sobre política nacional enquanto aguardam o almoço. A pulseira do Sérgio Cabral e sua prisão no presídio construído na sua gestão. O poder, a prisão de Lula, o golpe em Dilma.
Uma pessoa chega ao lado da janela e pede dinheiro ou comida. VIANA e JUNIOR dizem que não tem.
VIANA
Vamo sentar ali naquela ponta. Quando chegar, o cara vai meter a mão aqui na nossa comida.
SEQUÊNCIA 3 - Memórias no Rio de Janeiro entre o retrato e a paisagem
6. EXT. TERRAÇO DO PRÉDIO - MEMÓRIAS - TARDE
Faz sol, com o Pão de Açucar ao fundo, VIANA lembra de quando era moço, office boy no Rio de Janeiro, via filmes no intervalo e almoçava cachorro quente. Tinha um caderno que anotava sobre os filmes que via, ali, no Cinema Pathé [...]
VIANA
Só passava filmes franceses e agora é uma igreja evangélica.Então eu via 32 filmes por mês, eu ia na hora do almoço, ai corria, entrava no cinema e assistia um filme, comia um cachorro quente, era minha comida. Bora! [cut]
7. EXT. ATERRO DO FLAMENGO - TARDE - CAMINHADA
O fim de tarde se aproxima. VIANA e JUNIOR caminham pelo aterro do flamengo em direção ao mar. O telefone de VIANA toca.
VIANA
Porra isso aqui deve ser esse paulista. Porra o cara faz 20, 30 telefonemas por dia. Ai tu atende, ele desliga, não sei que porra é essa. Eu acho que é lá do presídio. Aí o cara diz ih rapaz não atende isso não. Sei lá o que é isso. [...] Ê rapaz, o que é aquilo ali?
8. EXT. ATERRO FLAMENGO - FIM DE TARDE - ENTREVISTA
Sentados na beira d’água, entre outras coisas, VIANA narra o episódio de quando chegou no Rio.
VIANA
Bom, nós viemos de navio, né. Papai e mamãe já estavam aqui com a maninha. Aí veio eu e a Thereza. Aí o barco parou no Maranhão, mas não encostava não, parece que você tinha que pegar um barco, parou na Bahia, etc. Foram 20 dias né. A gente tava lá em baixo, quase no porão, tinha um beliche, né, que chama. Só que era um cheiro terrível de combustível, aquele óleo do navio, aquela coisa. Aí eu não conseguia ficar ali, ficava numa rede. Bom, eu já tinha uns 16 anos, a Tereza parece que tinha 20. Aí viemos 20 dias naquele solavanco, vomitando, era brabo. [cut]
Agora brabo mesmo é quando veio primeiro papai, mamãe e a maninha. Que eles chegaram aqui sem nada, na doideira mesmo, total. Sem saber pra onde iam.Aí, quando eles soltaram lá, uma pessoa viu a situação deles. E, conversou certamente, pra onde é que vocês vão, não tem lugar pra ir. E agora? Aí eu sei que a pessoa.. Olha é o seguinte, vou levar vocês pra Niterói. Esse anjo da guarda. Ai tinha um campo de futebol, e eles foram morar no vestiário do campo.
Ai mamãe começou a lavar a camisa dos jogadores, ai esse rapaz lá que ajudou tinha uma família e tal. Ai eles arrumaram primeiro um emprego aqui pro papai, que trabalhava lá no morro, em Botafogo, pra derrubar o morro pra fazer esse aterro. Aí tiravam as pedras, aquele negócio, lá na pedreira em Botafogo, ai o papai ia pra lá, passava a semana e voltava só no sábado. Mamãe fazia a comida e ai ele ia, dormia sei lá, pelo chão, era brabo né.[cut]
Quando chegou lá pro primeiro dia.. Olha, é o seguinte, só tem no momento pra ele pegar levar a dinamite lá em cima, pra dinamitar a pedreira, né.. rsrs.. Papai não era alto como eu, ele batia aqui no meu ombro, um metro e cinquenta, macho pra cacete. Tá bom então. Ai botaram o papai sentado num camburão assim, cheio de dinamite. Ai leva ele pro morro lá em cima, lá deixava a dinamite pro cara explodir. Bora, agora já tá carregado a dinamite, ai bota ele pra dentro. Ai tinha um carretel que ia puxando o cara, ai quando olha lá, ué cade o homem? Não to vendo mais não.. Ai porra, ai o cara e agora? Faz o seguinte, desce esse cara pra ver se ele caiu, o que é que houve, ai chegou o camburão, o velho tava desmaiado por cima da dinamite. Ai tiraram ele de lá, levaram ele pro pronto socorro. Ai o encarregado falou pra esse anjo da guarda, não tem condição. Mas arranja um jeito ai pro cara, ele tem que trabalhar.Ai vamo botar ele aqui como apontador, ai vem aqueles caminhões gigantes cheio de pedra, apontando um negócio lá, passava pra lá e pra cá, ai ele ficou nessa.. [cut]
VIANA
Aí, foi, foi, foi. Melhorou. Mamãe era danada pra arrumar emprego. Arrumou um para Thereza aqui no Largo do Machado. Ela nunca tinha vindo, não sabia de nada. Aí, ela se perdeu, caiu do bonde, todo um drama. Ah, não vou mais não. Vai sim! Mamãe, um metro e quarenta, braba que só, vai sim. [cut]
9. EXT. ATERRO FLAMENGO - FIM DE TARDE - CAMINHADA
VIANA e JUNIOR caminham pelo Aterro do Flamengo.
VIANA
Eu tava me lembrando desse negócio. Vamos dizer assim, se o Brasil entrar numa guerra com a China, Estados Unidos, Coreia e Japão. Com todo esse armamento aqui, é de morrer de rir. Tem comandante, tem tudo, troca a guarda, aquele negócio todo, marinheiro pra cá, marinheiro pra lá. Todo um equipamento pro navio sair. Só que o navio não tem motor, não tem nada, não sai dali de jeito nenhum, inclusive de tanto que tá ali, tá cheio daquele negócio do mar, agarrado, que o bicho não pode nem se mexer. [cut]
Tem quatro ou cinco porta aviões, eu me lembro quando o Juscelino comprou essa porcaria desses porta aviões que nunca serviram pra nada. Tá tudo lá, submarino, bora tamo pronto pra guerra!
É fim de tarde, a câmera fica ligada dentro da bolsa.
VIANA
Mas qual é o roteiro que você quer fazer?A gente podia descer aqui, ali pela Cinelândia, rasga ali por trás. Então bora.. E a Julia não entrou em contato? Não? Nada..
JUNIOR
Ih, ficou gravando.
VIANA
Mas tu pode detonar essas coisas se tu não quiser. E o que é essa fruta ai? Tem ideia do que é essa fruta?
Uma pessoa aparece para pedir dinheiro.
VIANA
Não tem parceiro, tá russo. Sorry. Acho que isso é coisa de governo não é? Esse pessoal, sei lá, dar um jeito nesse pessoal. Deixar o cara morrer de fome? Onde já se viu isso? Um órgão, inventar um troço ai, gasta tanto dinheiro à toa, em safadeza porra.. Pois é..
VIANA caminha pela ponte atravessando o aterro, finge ajudar um carregador. [sobe música]
NARRADOR (V.O.)
Dar um jeito nesse pessoal. O que seria "dar um jeito nesse pessoal" se a câmera não tivesse ligada? Não sei. Mas a câmera liga.
SEQUÊNCIA 4 - Encontrando um caminho narrativo
10. INT. CASA - TELA COMPUTADOR
O dedo esfrega o computador, imagens passam na tela, abrem-se e fecham-se pastas, trechos de filme de arquivo são exibidos, entrecortando cenas..
NARRADOR (V.O.)
Ah,... e agora? Milhões e milhões de bytes, megabytes, terabytes. Eu arrasto o dedo, abro portas, entro e saio.. O que fazer com tudo isso?
Enquanto o dedo passa pelos arquivos na tela, vemos trechos de imagens na Academia Brasileira de Letras sobre a presença do diretor teatral, no bar à noite sobre Nelson Rodrigues.
(No ônibus)
JUNIOR
Como foi a peça ontem?
VIANA
Foi ótima. Não deu pra entender porra nenhuma. Sinal de que foi muito boa. Quando esses oito décadas não entendem, é sinal de que a peça foi muito boa. Esses cabeças travadas, rs. [cut]
11. INT. APARTAMENTO RIO - CAFÉ DA MANHÃ
Na luz da manhã, VIANA e JUNIOR estão em um apartamento tomando café da manhã enquanto conversam.
VIANA
Não aporrinhar ninguém com negócio de doença, não falo de doença. Não entendo de remédio. É um assunto que eu não gosto. Que que tu tá gravando aí rapaz? Conversa de velho é só besteira. Não perde teu tempo, rs. Ai ai. Desliga isso rapaz. Como ficar 72 horas com um oitenta, um Oito Décadas, como suportar ficar quatro dias com um Oito Décadas (risos). Tem horas que eu não sei se fico com pena, ou se meto-lhe a porrada, ou os dois ao mesmo tempo. [cut]
VIANA
O cara pra comer é uma máquina, pra trabalhar ele diz que não tem tempo. Derruba mais esse meiote. Já deve ser mais de 10 horas da manhã.
JUNIOR
Tu vais tomar banho?
VIANA
Não. Eu tomo banho uma vez por dia. Porque eu to no Rio de Janeiro, aqui é francês, faz mal pra pele. Não tenho tempo.. como que eu vou tomar banho? Ainda não tive tempo de fazer nada..
JUNIOR
Sabe de uma coisa, que eu gostaria de ver? O show do Paulinho da Viola.
VIANA
É no Viva Rio, né? Pô, eu adoro o Paulinho da Viola.
12. INT. APARTAMENTO LAPA - MANHÃ
Vemos uma cadeira vazia diante da janela, na qual aparecem o topo de morros e de uma igreja. VIANA chega com frutas do café da manhã. “Marcha de quarta-feira de cinzas” começa a tocar ao fundo. JUNIOR ensaia um carinho. VIANA pede The Composer do Tom Jobim, JUNIOR coloca Ibrahim Ferreira.
VIANA
Comer uma bananinha faz bem. Vamos rachar essa.
JUNIOR
Sabe um lugar que eu gostaria de ir? Na Quinta da Boa Vista. É longe né?
VIANA
Uma vez, eu era camelô, aí, disseram que o negócio era na Quinta da Boa Vista. Aí, eu deixei os meninos lá e enchi a cara de cachaça. Agora eu sou o protótipo do mal comerciante. Zé Antônio na biografia dele gosta de falar isso “eu fui camelô”.
JUNIOR
Consigo até imaginar um pouco, magrinho.
VIANA
Ele e o Flávio, Marcelo acho que era rebelde e não ia. Uma coisa que eu adoro nessa vida são meus filhos.
> SEQUÊNCIA DE FOTOS DE ARQUIVO PASSANDO PELA MÃO, SEGUIDAS DE SEQUÊNCIA DE BREVES RETRATOS FILMADOS EM SUPER 8 DOS 4 FILHOS.
VIANA
O que você decidiu é que não decidiu nada ainda né, do que vamos fazer. Tá certo isso né? Tá certo que ainda não se decidiu nada (risos). Já decidiu. O que? Que eu ainda não sei o que vou fazer (risos).
13. INT/EXT. JUNIOR TIRA O CARRO DA GARAGEM - MANHÃ
JUNIOR entra no carro, vemos no chaveiro o símbolo do paysandu. As mãos giram a ignição, e em seguida é feita a manobra no espaço da garagem em direção a saída. A imagem some em tela branca novamente. [cut]
14. INT. COZINHA AP LAPA - DIA
VIANA lava a louça, enquanto conversam rapidamente.
VIANA
Eu dei a maior sorte, porque minhas duas mulheres, foram as mulheres mais maravilhosas que um cara poderia pensar em ter como esposa. Trabalhadeiras e aguentando o tranco. Lá vai tu gravar, vambora.
JUNIOR
E qual é a conclusão que tu chegou?
VIANA
Que eu é que não prestava né.
JUNIOR
Por que?
VIANAPorque as mulheres eram maravilhosas, não davam motivo nenhum pra separação. Eu é que era safado mesmo.
JUNIOR
O sr acha que tem um problema que é o patriarcado?
VIANA
Não sei o que significa. O que é isso? O que é o patriarcado?
15. INT. FOTOGRAFIAS DE FAMÍLIA
> INSERT DE IMAGENS FOTOGRÁFICAS RECOLHIDAS NOS ÁLBUNS DE FAMÍLIA.
NARRADOR
O que é patriarcado?
16. EXT. LAGOA RODRIGO DE FREITAS - TARDE
VIANA e JUNIOR caminham e conversam.
JUNIOR
Quer dar um mergulho?
VIANA
Não. Eu já te falei que encerrei minha carreira. De mergulhar, de não sei o que.
JUNIOR
Como foi esse encerramento de carreira?
VIANA
A pré foi em Copacabana. Nós saímos do Botas, com o Johnny, aí nós fomos no apartamento dele. Aí quando de manhã nós fomos na praia. Zé, bora mergulhar aí. Lá fui eu, tava calmo o mar. Fomos lá todo engraçadinho. Aí afundou tudo. Vieram os dois guarda-vida, um pegou numa mão e o outro na outra. Olha, fica calmo que tu não vai morrer, mas vai levar umas porradas. Aí me jogaram na areia e fiquei na morte lá. Fiquei estirado lá, uma meia hora, ele chegou. Ei meu amigo, o que que ouve? Já to bem, já tinha vomitado e tal. Aí fomos pra casa, era ali naquelas ruas de Copacabana perto da praia. Aí eu digo, nunca mais vou entrar na água. Aí de teimoso, ainda fiz uns mergulhinhos de leve, mas agora encerrei minha carreira.
VIANA
Para manter este corpinho saudável, fiz tudo ao contrário. Nada de exercícios, nada de dieta, nada de remédios, então deu certo. Eu e outros meninos sapecas, também nessa política.
VIANA e JUNIOR continuam caminhando.
VIANA
Eu fui um dos fundadores do camelódromo do Rio, na rua Uruguaiana. Só que o negócio cresceu muito. [...] Aí chegou um ponto, que a prefeitura não queria mais lá. Aí vamos, vamos pra Copacabana, Ipanema, aí, contratamos um cego também. Tinha uma estrutura, um lugar onde guardava a barraca. Aí foi bacana. Foi na época do primeiro Rock in Rio. Aí chegou um ponto que aí não podia mais, aí o cara chegou e levou toda a minha mercadoria. Ai, putzgrila, agora danou-se, aí o negócio ficou ruim. Os caras levaram tudo, aí pra reaver tinha que gastar uma fortuna, aí melhor deixar pra lá. Aí eu fui pra Niterói de novo, trabalhar não sei em quê. Aí não deu mais nada certo. Aí a Glória também esfriou, tipo com a sua mãe. Tá bom, então eu vou. Peguei um ônibus, passou uns 10 dias ai eu cheguei lá. Nessa época, meu Tio João me deu 5 mil, aí eu comprei um ponto lá por 2 mil. Lá em Belém.
17. EXT.INT. INGÁ - GLÓRIA MANHÃ
GLÓRIA passeia com os cachorros nas ruas do Ingá, em Niterói e em seguida, conversa com JUNIOR, no apartamento.
GLÓRIA
Todo domingo, lá tinha a vitrola, a gente dançava. Todas as moças com um monte de rapazes. Então, já era hábito, tudo quanto era festinha, no final de semana, o pessoal dançava. Igual hoje, se junta, happy hour, naquela época era dançar. E esse casamento, tinha dança, casamento na sala. Aí tinha aquele lance, se uma pessoa vem tirar você pra dançar, você tem que dançar, antigamente era assim, porque se você rejeita aquele, você tinha que rejeitar os outros todos. Era a lei da dança.[...] Então, era assim o baile. No caso ai, ele me tirou pra dançar, nós dançamos, ai na conversa, marcamos um cinema, fomos no cinema. Naquele tempo tinha que ir com minha irmã junto. Ai embalou o namoro.
> Recuperar vídeos super 8 gravados por Tio Jorge, que estão com Guga. Verificar se há imagens dos bailes de dança. Caso existam, inserir trecho de música de Johnny Alf.
GLÓRIA
O Johnny Alf chegou a ir lá em casa. Ele ia lá, ele era um rapaz muito bom, ele era muito simpático. Eu sinto que o Johnny Alf foi um pouco injustiçado enquanto artista, não sei se porque ele não aparecia, se ele não gostava. Artista também tem esse temperamento, uns gostam de aparecer outros não gostam. Eu sinto que o Johnny Alf era desses, que não gostava muito de televisão. Porque teve uma vez que a Globo fez uma matéria sobre a bossa-nova, e eu vi na intenção de ver o Johnny Alf, e o Johnny Alf não apareceu. Poxa, ele foi injustiçado. Eu gostava muito de Johnny Alf, e ele era um cara muito legal.
> INSERT DE GLÓRIA CAMINHANDO POR NITERÓI, COM OS DOIS CACHORROS - MAC AO FUNDO. > SOBE SOM COM JOHNNY ALF.
JUNIOR [52’00’]
Essa partida do Viana talvez foi difícil pra sustentar três crianças, mas também foi uma libertação.
GLÓRIA
Foi um marco né. Um divisor de águas, aquele negócio de você tem que tomar as rédeas da sua vida.
JUNIOR
E aí, depois, nenhum amor, sólido?
GLÓRIA
Não, claro que não. Nem sólido, nem insólito. Claro que não. Primeiro que a Igreja é contra o divórcio. Então, é aquilo, o que Deus uniu ninguém separa. Agora, desde que você separou e você não arrumou ninguém.Você continua dentro da Igreja. A Igreja não me laçou para eu pertencer a Igreja. Então, assim, desde que você se determine a seguir uma religião ou qualquer coisa, ou você segue direito, ou você sai fora. Então, eu quando me determinei que eu sou católica, apostólica romana, e eu resolvi seguir a Igreja, eu tenho que seguir o que a Igreja faz. Então, a Igreja é contra o divórcio, então mesmo que eu divorciei dele, eu continuei casada com ele, até ele morrer. Mesmo eu divorciada eu era a mulher dele, perante Deus eu era a mulher dele, perante a Igreja eu era a mulher dele. O divórcio não existe. Então, se eu arrumasse alguém, eu estaria praticando o adultério, eu seria uma mulher adúltera. As pessoas falavam, mas você é tão nova. Porque quando ele foi embora, eu tava com 40 anos. Se eu for seguir a Igreja, eu não posso arrumar outra pessoa. Ah, mas ele arrumou. Isso é problema dele, na minha consciência, eu não posso. Ele resolveu ir embora, e eu resolvi ficar. E por que, que eu divorciei? Toda vez que eu ia fazer um crediário, você bota lá ‘casada’. Aí nome de marido. Como que eu vou botar nome de marido se eu não tenho mais marido? Ai eu fui atrás de ver como que fazia o divórcio. Pronto, agora eu sou responsável pelos meus atos. Mas nada, nunca que eu tivesse a intenção de casar, nem de morar com outra pessoa. Era só pra ficar com os documentos em dia. Agora eu sou divorciada e viúva, agora eu fico rindo disso. Uma amiga perguntou um dia, se eu era viúva.[...]
> INSERT DE IMAGENS: JUNIOR DIRIGE PELAS RUAS DE NITERÓI
GLÓRIA [58’00’’]
Quando ele resolveu, que ele conheceu Diná e que ele ia ficar lá, com ela, ele mandou uma carta explicando, que desde que, ele não queria vir mais pra cá, eu não queria ir pra Belém, ele mesmo botou na carta, eu não posso, eu não consigo viver sozinho. Que ele não ia viver sozinho e que ele arrumou uma pessoa, encontrou uma pessoa que ele gostou muito e pereré. Aí nós todos lemos a carta, eu li com os meninos, muito bom, isso ai, tá certo. Ele explicou, eu não vou pra lá, ele não vem pra cá, ele conheceu a Diná e vai ficar com ela. [cut]
Quando ele foi morar lá com sua avó, ele mandou uma passagem pra eu ir lá, pra conhecer o lugar, pra ver se eu queria ficar lá. É aquele lance, fui lá e conheci, olhei e não gostei. Sinto muito mas não vou ficar aqui. Se você quiser ficar aqui você fica. Ele ainda me deu a chance deu ir lá conhecer. Fui até a Igreja Nossa Senhora de Nazaré, conheci uns lugares bonitos, fui no Ver O Peso. Muito bonito. Mas não quero vir pra cá não.
JUNIOR
Talvez a senhora tava sentindo, bom me livrei dessa missão, risos.
GLÓRIA
Eu já cumpri minha parte, agora passa pra outra, risos.
18. INT/EXT. PASSAGEM - BARCA - NITERÓI - RIO
Câmera em travelling de dentro da barca, observa a baía de Guanabara com o Pão de Açucar ao fundo.Ao fundo sonoro, ouvimos trechos do show de Paulinho da Viola.
19. INT. VIVO RIO - PAULINHO DA VIOLA - NOITE
Conjunto de imagens do show, mesclando com VIANA.
20. INT. APARTAMENTO - DE VOLTA PRA CASA - NOITE
No elevador VIANA brinca de representar uma cena.
VIANA
Porra Zezinho, tu é o que? Tu é um sacana. Apanha nessa cara. Cria vergonha seu porra (rs). Bora, chegou porra.
VIANA sobe as últimas escadas, a luz se apaga.
SEQUÊNCIA 5 - De volta à Belém
21. EXT. AVIÃO - DESLOCAMENTO - DIA
Imagens da janela do avião. Nuvens, movimento, céu.
NARRADOR (V.O.)
Uma vez por ano, de Belém ao Rio, do Rio a Belém. Ir e vir pelo menos uma semana pra compartilhar esses momentos, ouvir umas histórias e filmar a vida do meu pai, e no meio disso, o Brasil.
COMANDANTE
Em Belém, céu nublado, 35 graus.
22. EXT. BELÉM - MANIFESTAÇÕES
Registros de manifestações. Fora Bolsonaro. Pauta Amazônica. Batucada e dança.
SEQUÊNCIA 6 - Conhecendo Maricá
23. INT. CASA MARICÁ - ALMOÇO - MANHÃ
VIANA em sua casa em Maricá, corta algumas cebolas.
VIANA
Ih, lá vem ele. Ih. Mas esse é o Viana mesmo? Mas é ele mesmo? Mas é mesmo? Não acredito. Mas é mesmo? Ta bonito, mas é mesmo? Mas é mesmo? Mesmo? O cara tá bonito rapaz. Mas é mesmo?Não acredito, mas é mesmo? Poxa, até agora não acredito. Mas é mesmo? Mas é o Viana mesmo? É aquele cara. Porra, mas é mesmo? Não. Não é ele não. Não é. É. Mas é mesmo?
Bora, desliga esse negócio aí. [cut]
JUNIOR
Bota sal.
VIANA
Peraí. Tem que tirar a tampa, eu vou queimar a mão. Tira essa porra. Bora cara, para de graça. Onde vou botar isso? Quanto de sal? Tá bom?
JUNIOR
Mais. Foi.
Preparação do almoço. Câmera se movimentando para encontrar o seu lugar.
Ao fundo, música “Meu nome é Ebano”.
JUNIOR
A tenção, atenção! Franguito à mesa por favor. Vem pra mesa papai. Vem pra mesa papai. Vem pra mesa papai. Vem pra mesa papai. Bora! Porra! [cut]
VIANA
Almoço cinco estrelas.
JUNIOR
Porra, mas aí esfriando, fica uma bosta.
VIANA
Urhhhh, meu deus do céu !!! Porra cara. [cut]Você é um cara que sempre foi precoce assim. Quando tinha 14 anos, tinha cara de 20. Quando chega em 40, tá velhinho já. 60 vai tá com 90.
JUNIOR
Quem é esse?
VIANA
Tu. Bora.
_
24. EXT. MARICÁ - PASSEIO - TARDE
VIANA caminha por Maricá, visita o clube e a igreja.
VIANA
Olha lá. Isso eu to ansioso pra ver. Esse centro cultural. Ta bom? Bye bye brazil. Eu acho que tenho esse filme lá em casa, se não ficou em Belém, né.
VIANA caminha pelas ruas da cidade.
NARRADOR
Eta caminhada. Passo por passo. Respirando sempre. O cabra gostava era de andar.
< MISTURAR COM O AUDIO DA CENA SEGUINTE >
25. INT. MARICÁ - HISTORIETA - TARDE
(20200304 - viana marica caminhada)
Sentado na cadeira, VIANA conta uma história.
VIANA
Ai que é o seguinte. Nós vamos filmar aqui na praça, agora nós recebemos um prêmio, mas é em euros. Ai tem que converter lá, não sei o que. Aí, demora um pouquinho. Enquanto isso, nós compramos os equipamentos, capitalizamos, entendeu. Se vocês tiverem alguma coisa, rapidola a gente repõe esse dinheiro, entendeu. Quem puder. Não é dado não, é só uma questão de um ou dois dias. Os caras lá, porra e agora? Ah, eu to com 300 euros. E tu? Uns 120. E o outro, 200, o outro, 38, um outro 14, um outro 110. Aí conta ai. Rapaz, nós temos 910 euros. Vou dizer pra ele que só tem isso, mas ele não vai querer né. Ô amigo, me desculpe, não me leve a mal. Mas nós só conseguimos 910 euros, entendeu. Que a mamãe ficou de mandar o dinheiro pra gente, e tal, tem a bolsa da faculdade pra receber. Vai entrar um dinheiro, mas sabe como é essas coisas. Aí mete o governo, o governo trambiqueiro, só quer o discurso, né. Tá, me dá esse dinheiro. Com dois ou três dias tá chegando o meu dinheirão, aí vai ser bom pra gente fazer um almoço aí, uma comemoração. Quanto tu deu?300, eu vou te dar 500, aí o outro, quanto? 37? Vou te dar 200 euros. Ei, anota aí dos meninos. Porque depois eu posso me esquecer, 200 euros pra esse, praquele 500. Vai perguntar com quanto eles contribuíram pra gente pagar. Nosso trabalho é trabalho sério. Os garotos, pô, olha só, impressionante. Saímos de casa, disseram que a gente ia quebrar a cara. Ai tem esses 200tinhos no bolso, faz a economia hein, depois vocês vão passar fome ai. Aí depois foi. Aí os caras, ei grande mestre, como é aquele trocado que a gente tá lisão. Ah rapaz, bom que vocês falaram. É que eu to indo essa madrugada pra Roma, pra receber esse dinheiro, vai ser convertido, e tal, tal, tal. Mas hoje, é que dia? Ah hoje é terça, no máximo domingo eu to aqui de volta. E a gente vai comer o que? Ah, vocês são garotão, sabem se virar né. Aí, eu deixei os equipamentos lá. Onde? Lá. Não se preocupe. Mas é aqui perto? Não, é lá.. Não esquente sua cabeça. [...] Ai, a trilha sonora né. Conceição, clássico brasileiro. Se partiu, ninguém sabe, ninguém viu. E hoje eu daria um milhão para ser outra vez. Tsh. Fechou a cortina. [cut]
26. INT/EXT. JUNIOR NO CREMATÓRIO
Vemos a fachada do crematório. JUNIOR entra e vai até a recepção. Junto da atendente coloca um saco dentro de uma caixa de madeira. Em seguida o carro dá a volta no estacionamento e sai do quadro.
27. INT. MARICÁ - ENTREVISTA - NOITE
20200304 - viana marica caminhada
VIANA assiste televisão. Escutamos uma partida de futebol.
VIANA
Rapaz, não há nada que vá ser interessante para o seu trabalho.
JUNIOR
Então fale da sua infância.
VIANA
Ai ai, o que eu poderia fazer?
JUNIOR
E o Dico?
VIANA
Ah, o Dico ele era o carpinteiro né. Ele se tornou carpinteiro de profissão.
JUNIOR
E ele era de onde?
VIANA
De Capanema. Ele é meu primo né. Da família do papai.
VIANA
Ai o Dico fazia os carrinhos, ai na nossa casa imensa que tinha um quintalzão, aí ele fazia uma estrada, com iluminação, poste, uma cidade, um bairro. Aí os carrinhos que ele fazia, carro de coisa, carro de mudança, carro disso. A gente era assim, né, filho da tia Mariana. Aí rapaz, quando o papai trouxe a minha bicicleta, que era uma das primeiras de Capanema, a halley, bicicleta toda, retrovisor, buzina, porra, eu era pequenininho, depois que eu fiquei grandão. Aí eu não conseguia andar na bicicleta. Aí porra, o Dico, olha pra bicicleta, senta na bicicleta, pega e sai pedalando, e vai embora, entendeu. Pronto, o homem já nasceu sabendo.[...]
VIANA
Ai, como eu era muito franzinozinho, a gente tinha um time de futebol né, na frente de casa tinha uma rua né, que era toda gramada, não era gramado proposital, era esses matinhos. Aí era o nosso campo, ai, o nosso time era eu contra o Dico. O campo era uns 300 metros, ai pegava a bola, e vem pra cá e vai pra lá.Chovendo, aquele torrencial e a gente jogando. (risos)
JUNIOR
E como foi essa bicicleta?
VIANA
Ah, o papai era um empresário. Ai tinha uma loja grande de atacadistas, arroz, farinha, feijão, vendia equipamentos, enxada, essas coisas assim, E era a nossa residência. Ai numa dessas viagens de papai pra Belém, ele vinha no caminhão, aí trouxe a bicicleta. Essa bicicleta criou um problema desgraçado. Que os outros não tinham bicicleta. Aí porra, os caras ficaram com raiva de mim né. A bicicleta, farol, bim-bim, fon-fon. Aí os caras jogavam areia quando eu passava, as pedrinhas. Me sacaneavam.
JUNIOR
Mas tu buzinava pra eles?
VIANA
Não, eu metia o pé.
JUNIOR
Mas aí tu não brincava com a galera não?
VIANA
Não, era uns moleques de rua assim, na época. Agora tinha um negócio que tem assim, hoje em dia é uma ponte, né, chamava o tubo. Era um negócio com um tubão, aí a água passava de um lado pro outro. Aí passava o trem em cima. Aí rapaz, eu vinha acho que da escola, sei lá. Ai escorreguei no meio daqueles trilhos, pelo tubo abaixo. Ai sumi. Ai foi um desastre, cade o zequinha que não chega, e eu lá não sei a onde, lá de baixo de um buraco, sei lá.
JUNIOR
Dentro da terra?
VIANA
Risos. Uns quatro metros, sei lá, três metros. Ai eu, um sapinho desse tamanho. E toma a procurar o menino, ai me acharam no buraco lá.
JUNIOR
E tu, tava fazendo o que no buraco?
VIANA
Sei lá, eu tava cagado lá, com um medo desgraçado.
JUNIOR
E ai, pra te tirar de lá?
VIANA
As pessoas me puxaram e tal. Ai teve também outro lance gozado. Lá em casa tinha um pé de goiabeira, Ai a gente gostava de brincar de juju. Hoje é pique-esconde. Ai a gente se escondia, eu subi na árvore, o outro vinha, ai eu subi na árvore, parecia um macaquinho. Eu e uns outros moleques lá. Nossa turma de criança. Era uma família aqui, outra lá longe. Devia ter um relacionamento. Tinha outros meus tios, que tinham casa perto da gente. Não era isolado. Ai eu fui, o menino subindo na árvore pra me pegar, aí me lasquei lá de cima. Vup. Pulei pro cara não me pegar. Porra, dei com a cara no chão, ai fiquei com o nariz assim, achatado. Olha, aquilo, por meses e meses com aquele nariz achatado assim. Falando assim.
Estrada de Ferro - Belém - Bragança>
INSERT DE IMAGENS NA ESTRADA DE FERRO COM JULIA.
VIANA
Chegava o trem, era uma festa. 200 km de ferrovia, ai na revolução, o maldito do ministro dos transportes, que era o general Juarez Távora, resolveu fazer estrada de rodagem, aí fez né, das melhores que tem hoje. Aí acabou o trem. Acabou as estações, tirou os trilhos, acabou, acabou. Não sei o que fizeram. Acabou o serviço de trem.O papai tinha um caminhão, ai ele fazia transportes pra Belém, comprava no interior, aquelas coisas. [cut]
JUNIOR
E o senhor viajava com ele?
VIANA
Não, só quando era passeio. Aquela cambada. [cut]
Todo mundo tinha um cavalo. O cara ia pra roça com o cavalo. Meu avô vinha lá do interior, aí ele vinha no cavalo, trazendo os paneiros aquilo do lado, aí ele vinha no meio. [cut]
Ele era do interior do Pará, interior de Capanema. Papai que era do Rio Grande do Norte. [cut]
Ele tava no Rio Grande do Norte né, lá era uma base americana, um negócio lá em Natal, aí o pessoal sambaram pro Pará, pro Maranhão. Aí fez essa população. [cut]
JUNIOR
Como assim?
VIANA
No início da segunda guerra, nos anos 30, as famílias nordestinas todas migraram pro Pará, Maranhão, saia fora daquele nordeste né. Porque tinha a base militar lá, avião pra cima, bomba, o diabo, era um rolo do caramba. Lá era uma base militar, lá em Natal. Aí o meu avô pegou a família rasgou, com dez filhos sei lá quanto, ai tocou a vida lá. [cut]
O papai sempre foi um cara, eu puxei ao velho. Meu padrinho era um padre né, padre Salles. Um ícone da igreja católica. Ele era do Piauí. Ai nessa onda, rasgou pra lá e tal. Ai o papai foi ser o sacristão dele. Papai mal sabia ler né. Missa era toda em latim. Aí tinha que comprar os vinhos da igreja.O papai pegava o trem e vinha pra Belém pra comprar, lá no Bispado, pegar os vinhos. Ai o papai tomava logo umas garrafas, rs. E o papai era primo da minha mãe. [cut]
Se conheceram lá em Capanema, ai o papai me pega o cavalo e vai lá pro interior, pra Samaúma. Passava o trem, soltava lá num negocinho pequeno, ai andava seis léguas até chegar lá. Sei que o papai, que era sacristão, roubou a mamãe, botou na garupa do cavalo. Um negócio de louco. Se apaixonaram e pegaram o beco. Ai papai largou o negócio de sacristão e foi ser.. Aí passou o bastão pro meu tio João. [cut]
Aí eu, com meus oito anos, assumi o posto. Eu ia pro interior, agora me lembrei, pegava o trem, soltava lá num interior chamado Mirasselva, num rio. Aí a gente chegava lá, o padrinho ia fazer a festa da padroeira, e eu com ele, desse tamaninho. Eu sabia tudo, em Latim e o escambau. Aí, rapaz, a gente chegou lá nesse lugar, né. Tinha um barco, uma canoa grande, com aquele toldo assim, um lugar pra gente deitar ali dentro. Eu e o padrinho, éramos as estrelas né, naquele apartamento lá. E os caras iam remando, seis horas até chegar no outro lugar. Doze horas de chão, no remo. Mas era o transporte, era a canoa. Aí chegava lá não sei onde. Aí parava pra fazer o lanche, o cara fazia o fogo na pedra, a gente comia. Ai dizia que lá tinha visagem, entendeu. Rapaz, ai quando deu acho que era meia noite que aparecia, ai o cara vambora rasgar que vai dar meia noite, e vai aparecer a visagem ai. É verdade, rapaz, aí pegamos o coisa, quando viu era jogando pedra, um negócio estranho pra caramba, um fenômeno, ai eu escondido lá em baixo da batina do padrinho. Eu com medo desgraçado, os caras meteram o remo, entendeu.
JUNIOR
Mas era tudo escuro? E como era esse fenômeno estranho?
VIANA
Era noite, não sei se era noite de luar ou tal… Era um negócio estranho, uma espécie de jogar uns troços assim, eu não sei se era fantasia, se a pessoa ia acreditar na visagem, talvez não existisse, era uma lenda né. Tinha muita coisa dessas histórias no interior, tinha muito disso. Aí rapaz, sei que foi um sufoco. Aí quando nós chegávamos no interior - chegou o padre Salles. Ih rapaz, ai era prefeito.. uma festa danada. Lembro duma casa imensa, acho que era uma escola que foi desativada. Aí nós ficamos lá. Uma coisa imensa, e a gente só nós dois, padrinho e eu, e eu com um medo desgraçado, eu era medroso pra caramba dessas coisas. Aí a gente fazia missa e tudo, todas aquelas coisas lá, terço de noite, a gente sempre ia almoçar na casa do prefeito, na casa não sei de quem. Olha a comida. Parecia aqueles banquetes, mesa imensa. Porco, carne, frango, diabo, era, vinhos não sei o que lá. Era uma farra da porra o negócio. [cut]
JUNIOR
E o padre Salles? O que ele achava dessas viagens?
VIANA
Sei lá, não me lembro. Mas era comum po. O padre era um morenão, mulato assim, sei lá, cabelo assim meio coisa. [cut]
JUNIOR
E como foi esse fim lá em Capanema?
VIANA
Ih, rapaz, isso aí é outro filme. Bom, hoje em dia o cara é viciado em drogas, birita, não sei o que lá. Naquela época, a grande desgraça era o jogo.Então, o cara jogava fortunas, tudo, sumia de casa, passava dia e noite jogando baralho, esse negócio.
JUNIOR
Mas onde? Num lugar assim?
VIANA
Tinha milhares, tinha cassino, em Capanema que era uma cidade pequena, tinha Cassino, aqueles shows, aquele negócio. Ai o cara ia pra Belém, apostava, ia pra lá. Ai o papai enchia o caminhão de mercadoria, pegava o dinheiro ai ia jogar. Perdia. Vinha fumado, entendeu. Ai inventava história, sei lá como que era.
JUNIOR
Como assim?
VIANA
Ah, certamente, pra mamãe, pra explicar o que que houve. Aí o comércio foi sumindo né, sei lá, dívidas, eu sei que acabou. O papai era um dos caras mais conhecidos. Papai teve num mercado que era imenso, tinha, chamava lá um box, uma loja grande. Dali que ele ganhou dinheiro, ai ele montou essa coisa grande de comércio. Era um supermercado grande. Naquela época não tinha shopping essas coisas, então tudo era grande. Aí papai tinha vocação pra ganhar dinheiro, trabalhava pra caramba. Ai ele expandiu, comprou esse casarão que a gente morava. Ai foi né, abriu aquele comércio dele grande, compras, atacado, vendia. Po, o papai era gente mesmo, tinha o caminhão dele e tudo. [cut]
VIANA[37’17]
Ai chegou um ponto que não deu mais pro papai, ai, um amigo dele disse o seguinte: Olha João, vai ser meu motorista do caminhão. Ai o papai disse, ah não, eu vou ser motorista de caminhão desse cara?Ai sei lá porque cargas d’agua. O papai, ele, a mamãe e a maninha, vieram pra João Pessoa, Recife, Pernambuco, aí se meteram na cidade de Caruaru, sabe. Papai ficou dois meses num hotel, disse que ia não sei o que, empreendedor, sabe, wel wel. Lá fui eu e a maninha pra lá, acho que de avião. Campina Grande! Não era Caruaru não. Sei que ficou dois meses num hotel, ai o titio teve que mandar o dinheiro pra pagar o hotel. Ai recambiou a gente todinho, pro Pará. Eu, papai, mamãe, maninha e a Thereza, nossa irmã de criação. Lá vem a cambada, titio trouxe todo mundo de volta. Aí se fodeu todinho. Ai sei lá, se meteu parece que em Bragança, com não sei o que, sei que daqui a pouco, o homem já tava bem de novo. Aí eu vou me jogar, ai eu vou dar a forra. Aí se fodereteu todinho de novo, rs. Aí eu sei que na volta de Campina, o papai, a mamãe e a maninha né. Eu e a thereza que éramos os grandões, a gente vinha depois né. Aí o titio botou o homem no navio, os três, aí sapecou pro Rio. Ele disse, lá eu faço qualquer porra, mas aqui eu não trabalho pra esse pessoal. Aquele negócio né, era o trompão, pra ser humilhado lá. Ah, eu não vou ser motorista. Aí titio, lá patrocinou tudo, deu um dinheirinho pra ele. Era quase 20 dias num navio né, tinha que comer, despesinhas. Lá veio o velho. Aí eu fiquei lá, acho que em Belém. Aí um dia sei lá porque, manda eles de volta que eu to bem. Ai o titio botou a gente no navio, lá nós viemos, no porão do navio. Eu passava mal, vomitava. O cheiro daquele óleo, até hoje eu não esqueci.
VIANA arruma a mesa e passa a manteiga no pão.
VIANA
Tem mais gravação? Não vai gastar tua fita. Você conhece Bragança? Não? Só de passagem como? Lá não é finalmente?
JUNIOR
Eu fui uma vez pra lá, pra ir pra Ajuruteua.
VIANA
Ah, Ajuruteua é, lá praquela área. [cut]
VIANA
A turma jazzística sabe, bossanovista, botava o longplay de baixo do braço, na calçada da rua. Aí, a gente pegava o longplay, ah olha aqui o que eu tenho. Po, tu tem isso daí, e não sei o que, aquele papo, sabe. No centro, na rua da Assembleia, ali no Rio. Quase todo dia, depois das cinco, chegava um ou outro, entendeu, saindo do trabalho. Aí ficava no papo lá. Porra, uma casinha super modesta, cheio de músico lá, inclusive Sergio Mendes. Porra, minha discoteca não era brincadeira, tinha uns mil longplays, dos quais uns 600 eram todos importados. Johnny Alf que era superstar. O Johnny nunca foi de dinheiro, ficava num barzinho mesmo. Não era esse negócio de estrelismo. Um cara foda, quente, importante. [cut]<SOBE MÚSICA DE JOHNNY ALF.>
28. INT/EXT. CARRO - DESLOCAMNETO - DIA
JUNIOR dirige um carro pelas estradas no Rio de Janeiro.
29. EXT. CASA MARICÁ - TARDE CHUVOSA
VIANA fecha o portão de casa e desce as escadas (arquivo 20180917).
VIANA
Peraí. Ali atrás tem lá as galinhas, os patos dela.
JUNIOR
Como foi que o sr chegou aqui?
VIANA
Eu conheci a moça que era a filha dela, nem sabia que era, lá perto de Flávio, que eu ficava sozinho e ia pra banca de jornal. Ai, dois meses depois, pai o sr não quer morar sozinho? Ah, ótimo. Aí, eu procurei por lá por perto, aí, falei com ela, ela disse, mamãe tem um monte de kitnet, aí eu vim e disse, é aqui que eu vou ficar..
Em tarde chuvosa, VIANA caminha pelas ruas de Maricá. (20200301)
_
30. EXT. NITERÓI - TARDE CHUVOSA
(20190218 - viana niteroi inga)
VIANA
Aqui que o Arcleyde pintou aquele quadro, lembra o quadro que ele me deu? Foi daqui. Pedra de Itapuca. Filma lá. Famosa.
< INSERT DE IMAGEM: Pedra de ITAPUCA em Niterói.
31. INT. ENTREVISTA COM ARCLEYDE
< Fazer e inserir trecho de entrevista com Arcleyde. >
VIANA separa as folhas do manjericão. Jazz standard ao fundo.
VIANA
JUNIOR
VIANA
VIANA levanta da mesa, o prato com as folhas de manjericão fica ao centro. A música vai até o fim. [cut]
MVI_0933 / 20200301 - viana tarefas casa jr [c2]
VIANA
(Diálogo fora de campo)
VIANA
JUNIOR
VIANA
JUNIOR
VIANA
VIANA
JUNIOR
VIANA
JUNIOR
VIANA
JUNIOR
VIANA
34. INT. MARICÁ - VIANA CONVERSA TELEFONE - NOITE
VIANA
JUNIOR
VIANA
Vemos uma tesoura cortando um tecido de algodão, de uma ponta a outra do quadro, enquanto VIANA e JUNIOR conversam sobre Maricá não ter nenhuma livraria.
VIANA caminha para a sacada durante a noite e observa a lua.
VIANA
JUNIOR
VIANA
JUNIOR
VIANA
JUNIOR
JUNIOR apaga as luzes.
VIANA
JUNIOR
VIANA
VIANA acende as luzes.
JUNIOR
VIANA
JUNIOR
VIANA senta na cadeira.
VIANA
37. EXT. SHANSHUI - MONTANHA E AGUA
38. INT. ATELIE - NOITE/DIA
40. INT. MARICÁ - DOR - MANHÃ
Câmera observa VIANA sentado na mesa da sala, com as mãos no rosto, em plano fechado, ligeiramente contraluz.
VIANA
JUNIOR carrega VIANA do banheiro à cama. O corpo de VIANA perdeu parte dos seus movimentos. Ao fundo, música com violoncelo.
VIANA
JUNIOR
VIANA
JUNIOR
VIANA
[...]
42. INT. MARICÁ - CONVERSA - MANHÃ
VIANA sentado na cadeira, sem poder andar, com os movimentos bem reduzidos.
VIANA
JUNIOR
VIANA
JUNIOR
VIANA
JUNIOR
VIANA
JUNIOR
VIANA
JUNIOR
43. INT. CASA - FISIOTERAPIA - MANHÃ
Viana deitado na cama, a fisioterapeuta massageia suas pernas.
GLAUCE
VIANA
GLAUCE
00110
GLAUCE
VIANA
GLAUCE
00111
VIANA
GLAUCE
VIANA
GLAUCE
00112
GLAUCE
00113
VIANA
JUNIOR
GLAUCE
VIANA
GLAUCE
VIANA
GLAUCE
VIANA
VIANA faz exercícios com a perna.
GLAUCE
44. INT/EXT. CARRO - DINÁ NO CARRO - MANHÃ
45. INT. CASA - INTERAÇÃO COM GRAVADOR - NOITE
VIANA
JUNIOR posiciona o gravador em frente de VIANA.
VIANA
JUNIOR
VIANA
JUNIOR
VIANA
SEQUÊNCIA 8 - Visita do amigo Lucival
LUCIVAL
Câmera observa LUCIVAL na cozinha e se desloca até o pátio onde VIANA está sentado.
VIANA
JUNIOR
VIANA
00126
LUCIVAL
JUNIOR
00127
00129
VIANA
VIANA canta 'besame mucho'.
00130
VIANA canta "hasta cuando, hasta cuando?"
LUCIVAL finaliza o arroz paraense e leva para o pátio.
00135
LUCIVAL
00134
VIANA
JUNIOR
LUCIVAL
47. INT. CASA - COLOCAR A FRAUDA - TARDE
JUNIOR
49. INT. CASA - NOITE PÓS BANHO - NOITE
VIANA
< INSERT DE IMAGEM >
NARRADOR
50. INT. CASA - TACACA - NOITE
00146
Fundo musical jazzistico.
LUCIVAL passa uma cuia com tacacá e vemos VIANA tomando tacacá.
VIANA
JUNIOR
51. INT CASA - LUCIVAL MASSAGEIA VIANA - DIA
VIANA
LUCIVAL
VIANA
VIANA
LUCIVAL
VIANA
00155
52. INT. VIANA DICURSA - MANHÃ
LUCIVAL
VIANA
SEQUÊNCIA 9 - À caminho de uma cirurgia
Vemos VIANA deitado na máquina enquanto o TÉCNICO ajusta os detalhes para realizar uma ressonância magnética em sua cabeça.
TECNICO
TECNICO
55. INT. CASA - FAZER A BARBA DE VIANA - DIA
56. INT. CASA - VIANA MEXE NO CELULAR - TARDE
Luz bonita, plano fechado nas mãos que tentam fechar uma caixa, em seguida mexem no celular. (plano de transição e respiro).
57. INT. CONSULTÓRIO - EXAME
Vemos no monitor as imagens do exame, enquanto o médico examina e inscreve informações em cima das imagens.
MEDICO
VIANA
MEDICO
VIANA
JUNIOR
MEDICO
JUNIOR
MEDICO
JUNIOR
MEDICO
JUNIOR
58. INT. CASA - SAMU LEVA VIANA - NOITE
Câmera observa a equipe médica levar VIANA para o atendimento de urgência e emergência. Ambulância na rua. Irmãos.
59. INT/EXT. CARRO COM ZÉ - NOITE
60. INT. HOSPITAL - VIANA COM SONO - MANHÃ
VIANA
JUNIOR
VIANA
JUNIOR
VIANA
JUNIOR
VIANA
JUNIOR
61. EXT. NITERÓI - LUZES NA PRAIA - NOITE
> Insert de fundo musical.
62. INT. HOSPITAL - SONHO DO VIANA
VIANA deitado na cama do hospital.
VIANA
JUNIOR
VIANA
JUNIOR
VIANA mostra um bichinho de pelúcia.
JUNIOR
VIANA
JUNIOR
VIANA
63. EXT. CARRO COM MARA - NOITE
JUNIOR
MARA
JUNIOR
MARA
JUNIOR
MARA
Chuva [...]
JUNIOR
MARA
JUNIOR
MARA
MARA
JUNIOR
MARA
64. INT. HOSPITAL - MANHÃ
JUNIOR
VIANA
65. MONTAGEM - SEQUENCIA DE FOTOS
66. INT. HOSPITAL - UTI
SEQUÊNCIA 10 - O falecimento de Viana
67. INT. NOTÍCIA DO FALECIMENTO - MANHÃ
JUNIOR está deitado na cama. Levanta, pega o celuar e coloca a música "That's all", de Diana Krall. Em seguida, abre o whatsapp e vemos as mensagens no grupo dos irmãos, que revelam o falecimento de VIANA. Em seguida, vemos alguns pássaros voando sob o céu. Primeiro um, depois dois, depois uma dezena deles. Ao fundo as montanhas do Rio de Janeiro visto de Niterói.
(pássaros voando em 20210111 - praia ze mara)
68. EXT. LAGOA DE MARICÁ - MANHÃ
[FADE OUT]
SEQUÊNCIA 11 - Peregrinação com os restos mortais
69. INT. CASA SP - MANHÃ
70. INT. ONIBUS - EWA REFLETE - NOITE
EWA
JUNIOR
20231227_202331
Isso abre uma espécie de pergunta, eu não me sinto vinculado a nenhum formato cultural, a nenhuma tradição de nada, é como se eu tivesse que pensar sobre o que fazer, em vez de simplesmente fazer. [cut] Talvez interessante pensar o que que se pode ter de sentido, implicação para uma certa vida espiritual, abre uma questão né, sobre o que que se considera sobre a morte assim. [cut]
20231227_202556
71. EXT. PRAIA - ZE, JULIA E EWA - MANHÃ
JUNIOR
ZE
JUNIOR
ZE
ZE
JUNIOR
ZE
JUNIOR
JULIA
HDV_0057
JULIA
JUNIOR
ZE
JULIA
JUNIOR
72. INT. CASA FLAVIO - CONVERSA COM ANDREIA - MANHÃ
Stage Movel_1_2024-06-13_2315_C0003
ANDREIA
JUNIOR
ANDREIA
JUNIOR
ANDREIA
JUNIOR
FLAVIO
JUNIOR
FLAVIO
JUNIOR
FLAVIO
ANDREIA
EWA
ANDREIA
74. INT. CASA DINÁ - CONVERSA ENTORNO DA URNA - TARDE
DINÁ
EDUARDO
DINÁ
JUNIOR
DINÁ
JUNIOR
DINÁ
JUNIOR
DINÁ
EDUARDO
DINÁ
EDUARDO
EDUARDO
DINÁ
EDUARDO
DINÁ
EDUARDO
JUNIOR
DINÁ
JUNIOR
ELZA
EDUARDO
JUNIOR
ELZA
EDUARDO
DINÁ
EDUARDO
DINÁ
EDUARDO
DINÁ
EDUARDO
EDUARDO
JUNIOR
EDUARDO
JUNIOR
JUNIOR
ELZA
ELZA
EDUARDO
JUNIOR
EDUARDO
DINÁ
EDUARDO
DINÁ
43:20
JUNIOR
DINÁ
EDUARDO
DINÁ
JUNIOR
DINÁ
EDUARDO
JUNIOR
EDUARDO
ELZA
DINÁ
EDUARDO
DINÁ
EDUARDO
47:15
A gente ria muito, eu também.Aí ele dizia, olha pelo amor de deus, eu sei como tu és, não me coloca apelido, porque tu coloca apelido, pega e é uma desgraça, não dá certo. Não coloca. Ai quem colocou o apelido nele? O filho dele colocou o apelido nele de frango, pronto. [cut]
Vemos EDUARDO passar o pacote para DINÁ, que observa e pensa. [cut]
EDUARDO
DINÁ
DINÁ, EDUARDO, ELZA, EWA e JUNIOR cantam parabéns em volta dos restos mortais de VIANA.
HUGO e DANI chegam em casa.
DINÁ
DANI
DINÁ
75. INT/EXT. CARRO - RUMO A CAPANEMA - MANHÃ
JÚLIA, EWA e JUNIOR param na pracinha de Capanema e tomam açaí. JÚLIA pergunta se pode abrir a caixa. A noite cai.
JULIA
ZE
JUNIOR
77. EXT. PRAIA DE AJURUTEUA - MANHÃ
JUNIOR
JULIA
78. INT. CARRO NA ESTRADA - MANHÃ
JUNIOR
O rapaz na estrada informa como chegar lá. JÚLIA e JUNIOR se dirigem ao local. Observam a entrada da estrada de terra, e entram no ramal. O carro se desloca lentamente pela paisagem árida, espécie de sertão amazônico. O carro pára, JUNIOR desce e faz xixi na estrada. JÚLIA veste a camisa do paysandu e sai andando com a urna de madeira. A câmera observa frontalmente sua caminhada. Em seguida, de um contra-plano, vemos JÚLIA caminhar pela estrada se afastando cada vez mais.
_
FIM
produção
CAMILA FIALHO
roteiro e direção
JOSÉ VIANA
sinopse
Passados três anos, a morte de Viana precisa ser novamente encarada, dando lugar a uma peregrinação de novos encontros. Cresce a pergunta, até onde seguir filmando? Entre o Rio de Janeiro e o Pará, o filme recolhe uma coleção de memórias, pessoas e afetos.
Versão sonora do roteiro (fevereiro 2025)
Versão escrita do roteiro (março 2025)
SEQUÊNCIA 1 - Abertura
1. INT. CEMITÉRIO MARICÁ - DIA
Em tela preta, ouvimos o som do trabalho de uma marreta abrindo um buraco na parede. Aparecem as logomarcas das produtoras e patrocinadoras do filme.
Estamos em uma ala coberta do cemitério. O coveiro retira o caixão de um nicho. À certa distância, a câmera observa a cena, no contra-luz. Ao fundo o cemitério à céu aberto. O COVEIRO retira os ossos e guarda-os numa caixa de plástico. [cut]
Em seguida, num plano de costas, vemos ZÉ caminhar em direção à saída do cemitério carregando a caixa de plástico com as próprias mãos.
> A imagem gradualmente se desfaz para tela branca.
SEQUÊNCIA 2 - Apresentação de personagem
2. INT. RESTAURANTE - JULIA COMENTA FOTOS - TARDE
JÚLIA
E aí eu fiz essas fotos na pandemia. Nunca soube muito bem o que fazer com elas. Essa daqui foi no carnaval, na porta da vila, e ai essas máscaras, é porque eles estavam indo pro Bloco dos Sujos, que era um negócio muito comum antigamente, que hoje a gente não tem mais. Hoje em Niterói não existe mais o bloco dos sujos, que a galera cortava uma fronha, botava na cabeça, cortava assim uma máscara, o olhinho e tava pronto, daí ficava balançando umas latas. E aqui ó, que eu acho muito legal, é o vovô, grande, com os filhos, de máscara, com essa fronha na cabeça, de sujo.
JUNIOR
E esses?
JÚLIA
Esses são o Flávio, Marcelo e no meio é o papai.
EWA
O Zé! Rsrs.
JÚLIA
E essa aqui foi aquele dia que a gente foi no Ximeninho com ele, que tava difícil de arrumar mesa, aí ele foi sentando, aí tinha uma mulher do lado, que aí ela ficou, não, que ele chegou na mesa e disse, - vocês poderiam mudar pra outra mesa, pra gente sentar aqui?; ai todo mundo ficou, vô, pelo amor de deus!
JUNIOR
Apenas pare!
JÚLIA
Ah, que engraçado, eu vi que eu escrevi aqui atrás uma coisa que ele falava muito, que é isso de, No creo en brujas, pero que hay, hay.
EWA
Ele dizia isso?
JÚLIA
O tempo todo !
EWA
Sério, como lema..
JÚLIA
Sobre essa coisa dos mistérios da vida. E esse foi um dia que a gente foi almoçar ali no centro de Niterói, e ele apareceu extremamente paraense, paysandu, e eu fiz uma coisa, que eu até botei escondido na minha mochila, pra Diná nem sonhar em ver isso. Eu juro. [cut] Comprei num brechó e trouxe escondido na minha mochila pra andar com ela em Capanema, olha isso. [...] Uma homenagem ao meu vôzinho. [cut]
3. INT. AP LAPA - JUNIOR E VIANA NO ELEVADOR - MANHÃ
JUNIOR e VIANA descem juntos pelo elevador.
VIANA
Trouxe a câmera? Égua, é muito conforto. Não vai filmar eu coçando o saco não. Sim, eu tava lendo um negócio de idoso que dizia pra tomar bastante água. Ai eu pensei, bom, eu tô dentro. Só não fiz os outros nove itens.
A porta do elevador se abre e os dois saem. Faz sol no bairro da Lapa, Rio de Janeiro. Ouvimos o barulho da rua. (congela na tela o último frame da imagem, o som da rua dura mais).
4. EXT. RUAS DA LAPA - HORA DO ALMOÇO - CLIPE RUA
Montagem de imagens das ruas da lapa. Carros, motos, bicicletas, transeuntes.
NARRADOR
Era ali, eu acho, talvez mudou um pouco.
5. INT. RESTAURANTE LAPA - TARDE - CHOPPINHO
VIANA e JUNIOR batem-papo sobre política nacional enquanto aguardam o almoço. A pulseira do Sérgio Cabral e sua prisão no presídio construído na sua gestão. O poder, a prisão de Lula, o golpe em Dilma.
Uma pessoa chega ao lado da janela e pede dinheiro ou comida. VIANA e JUNIOR dizem que não tem.
VIANA
Vamo sentar ali naquela ponta. Quando chegar, o cara vai meter a mão aqui na nossa comida.
SEQUÊNCIA 3 - Memórias no Rio de Janeiro entre o retrato e a paisagem
6. EXT. TERRAÇO DO PRÉDIO - MEMÓRIAS - TARDE
Faz sol, com o Pão de Açucar ao fundo, VIANA lembra de quando era moço, office boy no Rio de Janeiro, via filmes no intervalo e almoçava cachorro quente. Tinha um caderno que anotava sobre os filmes que via, ali, no Cinema Pathé [...]
VIANA
Só passava filmes franceses e agora é uma igreja evangélica.Então eu via 32 filmes por mês, eu ia na hora do almoço, ai corria, entrava no cinema e assistia um filme, comia um cachorro quente, era minha comida. Bora! [cut]
7. EXT. ATERRO DO FLAMENGO - TARDE - CAMINHADA
O fim de tarde se aproxima. VIANA e JUNIOR caminham pelo aterro do flamengo em direção ao mar. O telefone de VIANA toca.
VIANA
Porra isso aqui deve ser esse paulista. Porra o cara faz 20, 30 telefonemas por dia. Ai tu atende, ele desliga, não sei que porra é essa. Eu acho que é lá do presídio. Aí o cara diz ih rapaz não atende isso não. Sei lá o que é isso. [...] Ê rapaz, o que é aquilo ali?
8. EXT. ATERRO FLAMENGO - FIM DE TARDE - ENTREVISTA
Sentados na beira d’água, entre outras coisas, VIANA narra o episódio de quando chegou no Rio.
VIANA
Bom, nós viemos de navio, né. Papai e mamãe já estavam aqui com a maninha. Aí veio eu e a Thereza. Aí o barco parou no Maranhão, mas não encostava não, parece que você tinha que pegar um barco, parou na Bahia, etc. Foram 20 dias né. A gente tava lá em baixo, quase no porão, tinha um beliche, né, que chama. Só que era um cheiro terrível de combustível, aquele óleo do navio, aquela coisa. Aí eu não conseguia ficar ali, ficava numa rede. Bom, eu já tinha uns 16 anos, a Tereza parece que tinha 20. Aí viemos 20 dias naquele solavanco, vomitando, era brabo. [cut]
Agora brabo mesmo é quando veio primeiro papai, mamãe e a maninha. Que eles chegaram aqui sem nada, na doideira mesmo, total. Sem saber pra onde iam.Aí, quando eles soltaram lá, uma pessoa viu a situação deles. E, conversou certamente, pra onde é que vocês vão, não tem lugar pra ir. E agora? Aí eu sei que a pessoa.. Olha é o seguinte, vou levar vocês pra Niterói. Esse anjo da guarda. Ai tinha um campo de futebol, e eles foram morar no vestiário do campo.
Ai mamãe começou a lavar a camisa dos jogadores, ai esse rapaz lá que ajudou tinha uma família e tal. Ai eles arrumaram primeiro um emprego aqui pro papai, que trabalhava lá no morro, em Botafogo, pra derrubar o morro pra fazer esse aterro. Aí tiravam as pedras, aquele negócio, lá na pedreira em Botafogo, ai o papai ia pra lá, passava a semana e voltava só no sábado. Mamãe fazia a comida e ai ele ia, dormia sei lá, pelo chão, era brabo né.[cut]
Quando chegou lá pro primeiro dia.. Olha, é o seguinte, só tem no momento pra ele pegar levar a dinamite lá em cima, pra dinamitar a pedreira, né.. rsrs.. Papai não era alto como eu, ele batia aqui no meu ombro, um metro e cinquenta, macho pra cacete. Tá bom então. Ai botaram o papai sentado num camburão assim, cheio de dinamite. Ai leva ele pro morro lá em cima, lá deixava a dinamite pro cara explodir. Bora, agora já tá carregado a dinamite, ai bota ele pra dentro. Ai tinha um carretel que ia puxando o cara, ai quando olha lá, ué cade o homem? Não to vendo mais não.. Ai porra, ai o cara e agora? Faz o seguinte, desce esse cara pra ver se ele caiu, o que é que houve, ai chegou o camburão, o velho tava desmaiado por cima da dinamite. Ai tiraram ele de lá, levaram ele pro pronto socorro. Ai o encarregado falou pra esse anjo da guarda, não tem condição. Mas arranja um jeito ai pro cara, ele tem que trabalhar.Ai vamo botar ele aqui como apontador, ai vem aqueles caminhões gigantes cheio de pedra, apontando um negócio lá, passava pra lá e pra cá, ai ele ficou nessa.. [cut]
VIANA
Aí, foi, foi, foi. Melhorou. Mamãe era danada pra arrumar emprego. Arrumou um para Thereza aqui no Largo do Machado. Ela nunca tinha vindo, não sabia de nada. Aí, ela se perdeu, caiu do bonde, todo um drama. Ah, não vou mais não. Vai sim! Mamãe, um metro e quarenta, braba que só, vai sim. [cut]
9. EXT. ATERRO FLAMENGO - FIM DE TARDE - CAMINHADA
VIANA e JUNIOR caminham pelo Aterro do Flamengo.
VIANA
Eu tava me lembrando desse negócio. Vamos dizer assim, se o Brasil entrar numa guerra com a China, Estados Unidos, Coreia e Japão. Com todo esse armamento aqui, é de morrer de rir. Tem comandante, tem tudo, troca a guarda, aquele negócio todo, marinheiro pra cá, marinheiro pra lá. Todo um equipamento pro navio sair. Só que o navio não tem motor, não tem nada, não sai dali de jeito nenhum, inclusive de tanto que tá ali, tá cheio daquele negócio do mar, agarrado, que o bicho não pode nem se mexer. [cut]
Tem quatro ou cinco porta aviões, eu me lembro quando o Juscelino comprou essa porcaria desses porta aviões que nunca serviram pra nada. Tá tudo lá, submarino, bora tamo pronto pra guerra!
É fim de tarde, a câmera fica ligada dentro da bolsa.
VIANA
Mas qual é o roteiro que você quer fazer?A gente podia descer aqui, ali pela Cinelândia, rasga ali por trás. Então bora.. E a Julia não entrou em contato? Não? Nada..
JUNIOR
Ih, ficou gravando.
VIANA
Mas tu pode detonar essas coisas se tu não quiser. E o que é essa fruta ai? Tem ideia do que é essa fruta?
Uma pessoa aparece para pedir dinheiro.
VIANA
Não tem parceiro, tá russo. Sorry. Acho que isso é coisa de governo não é? Esse pessoal, sei lá, dar um jeito nesse pessoal. Deixar o cara morrer de fome? Onde já se viu isso? Um órgão, inventar um troço ai, gasta tanto dinheiro à toa, em safadeza porra.. Pois é..
VIANA caminha pela ponte atravessando o aterro, finge ajudar um carregador. [sobe música]
NARRADOR (V.O.)
Dar um jeito nesse pessoal. O que seria "dar um jeito nesse pessoal" se a câmera não tivesse ligada? Não sei. Mas a câmera liga.
SEQUÊNCIA 4 - Encontrando um caminho narrativo
10. INT. CASA - TELA COMPUTADOR
O dedo esfrega o computador, imagens passam na tela, abrem-se e fecham-se pastas, trechos de filme de arquivo são exibidos, entrecortando cenas..
NARRADOR (V.O.)
Ah,... e agora? Milhões e milhões de bytes, megabytes, terabytes. Eu arrasto o dedo, abro portas, entro e saio.. O que fazer com tudo isso?
Enquanto o dedo passa pelos arquivos na tela, vemos trechos de imagens na Academia Brasileira de Letras sobre a presença do diretor teatral, no bar à noite sobre Nelson Rodrigues.
(No ônibus)
JUNIOR
Como foi a peça ontem?
VIANA
Foi ótima. Não deu pra entender porra nenhuma. Sinal de que foi muito boa. Quando esses oito décadas não entendem, é sinal de que a peça foi muito boa. Esses cabeças travadas, rs. [cut]
11. INT. APARTAMENTO RIO - CAFÉ DA MANHÃ
Na luz da manhã, VIANA e JUNIOR estão em um apartamento tomando café da manhã enquanto conversam.
VIANA
Não aporrinhar ninguém com negócio de doença, não falo de doença. Não entendo de remédio. É um assunto que eu não gosto. Que que tu tá gravando aí rapaz? Conversa de velho é só besteira. Não perde teu tempo, rs. Ai ai. Desliga isso rapaz. Como ficar 72 horas com um oitenta, um Oito Décadas, como suportar ficar quatro dias com um Oito Décadas (risos). Tem horas que eu não sei se fico com pena, ou se meto-lhe a porrada, ou os dois ao mesmo tempo. [cut]
VIANA
O cara pra comer é uma máquina, pra trabalhar ele diz que não tem tempo. Derruba mais esse meiote. Já deve ser mais de 10 horas da manhã.
JUNIOR
Tu vais tomar banho?
VIANA
Não. Eu tomo banho uma vez por dia. Porque eu to no Rio de Janeiro, aqui é francês, faz mal pra pele. Não tenho tempo.. como que eu vou tomar banho? Ainda não tive tempo de fazer nada..
JUNIOR
Sabe de uma coisa, que eu gostaria de ver? O show do Paulinho da Viola.
VIANA
É no Viva Rio, né? Pô, eu adoro o Paulinho da Viola.
12. INT. APARTAMENTO LAPA - MANHÃ
Vemos uma cadeira vazia diante da janela, na qual aparecem o topo de morros e de uma igreja. VIANA chega com frutas do café da manhã. “Marcha de quarta-feira de cinzas” começa a tocar ao fundo. JUNIOR ensaia um carinho. VIANA pede The Composer do Tom Jobim, JUNIOR coloca Ibrahim Ferreira.
VIANA
Comer uma bananinha faz bem. Vamos rachar essa.
JUNIOR
Sabe um lugar que eu gostaria de ir? Na Quinta da Boa Vista. É longe né?
VIANA
Uma vez, eu era camelô, aí, disseram que o negócio era na Quinta da Boa Vista. Aí, eu deixei os meninos lá e enchi a cara de cachaça. Agora eu sou o protótipo do mal comerciante. Zé Antônio na biografia dele gosta de falar isso “eu fui camelô”.
JUNIOR
Consigo até imaginar um pouco, magrinho.
VIANA
Ele e o Flávio, Marcelo acho que era rebelde e não ia. Uma coisa que eu adoro nessa vida são meus filhos.
> SEQUÊNCIA DE FOTOS DE ARQUIVO PASSANDO PELA MÃO, SEGUIDAS DE SEQUÊNCIA DE BREVES RETRATOS FILMADOS EM SUPER 8 DOS 4 FILHOS.
VIANA
O que você decidiu é que não decidiu nada ainda né, do que vamos fazer. Tá certo isso né? Tá certo que ainda não se decidiu nada (risos). Já decidiu. O que? Que eu ainda não sei o que vou fazer (risos).
13. INT/EXT. JUNIOR TIRA O CARRO DA GARAGEM - MANHÃ
JUNIOR entra no carro, vemos no chaveiro o símbolo do paysandu. As mãos giram a ignição, e em seguida é feita a manobra no espaço da garagem em direção a saída. A imagem some em tela branca novamente. [cut]
14. INT. COZINHA AP LAPA - DIA
VIANA lava a louça, enquanto conversam rapidamente.
VIANA
Eu dei a maior sorte, porque minhas duas mulheres, foram as mulheres mais maravilhosas que um cara poderia pensar em ter como esposa. Trabalhadeiras e aguentando o tranco. Lá vai tu gravar, vambora.
JUNIOR
E qual é a conclusão que tu chegou?
VIANA
Que eu é que não prestava né.
JUNIOR
Por que?
VIANAPorque as mulheres eram maravilhosas, não davam motivo nenhum pra separação. Eu é que era safado mesmo.
JUNIOR
O sr acha que tem um problema que é o patriarcado?
VIANA
Não sei o que significa. O que é isso? O que é o patriarcado?
15. INT. FOTOGRAFIAS DE FAMÍLIA
> INSERT DE IMAGENS FOTOGRÁFICAS RECOLHIDAS NOS ÁLBUNS DE FAMÍLIA.
NARRADOR
O que é patriarcado?
16. EXT. LAGOA RODRIGO DE FREITAS - TARDE
VIANA e JUNIOR caminham e conversam.
JUNIOR
Quer dar um mergulho?
VIANA
Não. Eu já te falei que encerrei minha carreira. De mergulhar, de não sei o que.
JUNIOR
Como foi esse encerramento de carreira?
VIANA
A pré foi em Copacabana. Nós saímos do Botas, com o Johnny, aí nós fomos no apartamento dele. Aí quando de manhã nós fomos na praia. Zé, bora mergulhar aí. Lá fui eu, tava calmo o mar. Fomos lá todo engraçadinho. Aí afundou tudo. Vieram os dois guarda-vida, um pegou numa mão e o outro na outra. Olha, fica calmo que tu não vai morrer, mas vai levar umas porradas. Aí me jogaram na areia e fiquei na morte lá. Fiquei estirado lá, uma meia hora, ele chegou. Ei meu amigo, o que que ouve? Já to bem, já tinha vomitado e tal. Aí fomos pra casa, era ali naquelas ruas de Copacabana perto da praia. Aí eu digo, nunca mais vou entrar na água. Aí de teimoso, ainda fiz uns mergulhinhos de leve, mas agora encerrei minha carreira.
VIANA
Para manter este corpinho saudável, fiz tudo ao contrário. Nada de exercícios, nada de dieta, nada de remédios, então deu certo. Eu e outros meninos sapecas, também nessa política.
VIANA e JUNIOR continuam caminhando.
VIANA
Eu fui um dos fundadores do camelódromo do Rio, na rua Uruguaiana. Só que o negócio cresceu muito. [...] Aí chegou um ponto, que a prefeitura não queria mais lá. Aí vamos, vamos pra Copacabana, Ipanema, aí, contratamos um cego também. Tinha uma estrutura, um lugar onde guardava a barraca. Aí foi bacana. Foi na época do primeiro Rock in Rio. Aí chegou um ponto que aí não podia mais, aí o cara chegou e levou toda a minha mercadoria. Ai, putzgrila, agora danou-se, aí o negócio ficou ruim. Os caras levaram tudo, aí pra reaver tinha que gastar uma fortuna, aí melhor deixar pra lá. Aí eu fui pra Niterói de novo, trabalhar não sei em quê. Aí não deu mais nada certo. Aí a Glória também esfriou, tipo com a sua mãe. Tá bom, então eu vou. Peguei um ônibus, passou uns 10 dias ai eu cheguei lá. Nessa época, meu Tio João me deu 5 mil, aí eu comprei um ponto lá por 2 mil. Lá em Belém.
17. EXT.INT. INGÁ - GLÓRIA MANHÃ
GLÓRIA passeia com os cachorros nas ruas do Ingá, em Niterói e em seguida, conversa com JUNIOR, no apartamento.
GLÓRIA
Todo domingo, lá tinha a vitrola, a gente dançava. Todas as moças com um monte de rapazes. Então, já era hábito, tudo quanto era festinha, no final de semana, o pessoal dançava. Igual hoje, se junta, happy hour, naquela época era dançar. E esse casamento, tinha dança, casamento na sala. Aí tinha aquele lance, se uma pessoa vem tirar você pra dançar, você tem que dançar, antigamente era assim, porque se você rejeita aquele, você tinha que rejeitar os outros todos. Era a lei da dança.[...] Então, era assim o baile. No caso ai, ele me tirou pra dançar, nós dançamos, ai na conversa, marcamos um cinema, fomos no cinema. Naquele tempo tinha que ir com minha irmã junto. Ai embalou o namoro.
> Recuperar vídeos super 8 gravados por Tio Jorge, que estão com Guga. Verificar se há imagens dos bailes de dança. Caso existam, inserir trecho de música de Johnny Alf.
GLÓRIA
O Johnny Alf chegou a ir lá em casa. Ele ia lá, ele era um rapaz muito bom, ele era muito simpático. Eu sinto que o Johnny Alf foi um pouco injustiçado enquanto artista, não sei se porque ele não aparecia, se ele não gostava. Artista também tem esse temperamento, uns gostam de aparecer outros não gostam. Eu sinto que o Johnny Alf era desses, que não gostava muito de televisão. Porque teve uma vez que a Globo fez uma matéria sobre a bossa-nova, e eu vi na intenção de ver o Johnny Alf, e o Johnny Alf não apareceu. Poxa, ele foi injustiçado. Eu gostava muito de Johnny Alf, e ele era um cara muito legal.
> INSERT DE GLÓRIA CAMINHANDO POR NITERÓI, COM OS DOIS CACHORROS - MAC AO FUNDO. > SOBE SOM COM JOHNNY ALF.
JUNIOR [52’00’]
Essa partida do Viana talvez foi difícil pra sustentar três crianças, mas também foi uma libertação.
GLÓRIA
Foi um marco né. Um divisor de águas, aquele negócio de você tem que tomar as rédeas da sua vida.
JUNIOR
E aí, depois, nenhum amor, sólido?
GLÓRIA
Não, claro que não. Nem sólido, nem insólito. Claro que não. Primeiro que a Igreja é contra o divórcio. Então, é aquilo, o que Deus uniu ninguém separa. Agora, desde que você separou e você não arrumou ninguém.Você continua dentro da Igreja. A Igreja não me laçou para eu pertencer a Igreja. Então, assim, desde que você se determine a seguir uma religião ou qualquer coisa, ou você segue direito, ou você sai fora. Então, eu quando me determinei que eu sou católica, apostólica romana, e eu resolvi seguir a Igreja, eu tenho que seguir o que a Igreja faz. Então, a Igreja é contra o divórcio, então mesmo que eu divorciei dele, eu continuei casada com ele, até ele morrer. Mesmo eu divorciada eu era a mulher dele, perante Deus eu era a mulher dele, perante a Igreja eu era a mulher dele. O divórcio não existe. Então, se eu arrumasse alguém, eu estaria praticando o adultério, eu seria uma mulher adúltera. As pessoas falavam, mas você é tão nova. Porque quando ele foi embora, eu tava com 40 anos. Se eu for seguir a Igreja, eu não posso arrumar outra pessoa. Ah, mas ele arrumou. Isso é problema dele, na minha consciência, eu não posso. Ele resolveu ir embora, e eu resolvi ficar. E por que, que eu divorciei? Toda vez que eu ia fazer um crediário, você bota lá ‘casada’. Aí nome de marido. Como que eu vou botar nome de marido se eu não tenho mais marido? Ai eu fui atrás de ver como que fazia o divórcio. Pronto, agora eu sou responsável pelos meus atos. Mas nada, nunca que eu tivesse a intenção de casar, nem de morar com outra pessoa. Era só pra ficar com os documentos em dia. Agora eu sou divorciada e viúva, agora eu fico rindo disso. Uma amiga perguntou um dia, se eu era viúva.[...]
> INSERT DE IMAGENS: JUNIOR DIRIGE PELAS RUAS DE NITERÓI
GLÓRIA [58’00’’]
Quando ele resolveu, que ele conheceu Diná e que ele ia ficar lá, com ela, ele mandou uma carta explicando, que desde que, ele não queria vir mais pra cá, eu não queria ir pra Belém, ele mesmo botou na carta, eu não posso, eu não consigo viver sozinho. Que ele não ia viver sozinho e que ele arrumou uma pessoa, encontrou uma pessoa que ele gostou muito e pereré. Aí nós todos lemos a carta, eu li com os meninos, muito bom, isso ai, tá certo. Ele explicou, eu não vou pra lá, ele não vem pra cá, ele conheceu a Diná e vai ficar com ela. [cut]
Quando ele foi morar lá com sua avó, ele mandou uma passagem pra eu ir lá, pra conhecer o lugar, pra ver se eu queria ficar lá. É aquele lance, fui lá e conheci, olhei e não gostei. Sinto muito mas não vou ficar aqui. Se você quiser ficar aqui você fica. Ele ainda me deu a chance deu ir lá conhecer. Fui até a Igreja Nossa Senhora de Nazaré, conheci uns lugares bonitos, fui no Ver O Peso. Muito bonito. Mas não quero vir pra cá não.
JUNIOR
Talvez a senhora tava sentindo, bom me livrei dessa missão, risos.
GLÓRIA
Eu já cumpri minha parte, agora passa pra outra, risos.
18. INT/EXT. PASSAGEM - BARCA - NITERÓI - RIO
Câmera em travelling de dentro da barca, observa a baía de Guanabara com o Pão de Açucar ao fundo.Ao fundo sonoro, ouvimos trechos do show de Paulinho da Viola.
19. INT. VIVO RIO - PAULINHO DA VIOLA - NOITE
Conjunto de imagens do show, mesclando com VIANA.
20. INT. APARTAMENTO - DE VOLTA PRA CASA - NOITE
No elevador VIANA brinca de representar uma cena.
VIANA
Porra Zezinho, tu é o que? Tu é um sacana. Apanha nessa cara. Cria vergonha seu porra (rs). Bora, chegou porra.
VIANA sobe as últimas escadas, a luz se apaga.
SEQUÊNCIA 5 - De volta à Belém
21. EXT. AVIÃO - DESLOCAMENTO - DIA
Imagens da janela do avião. Nuvens, movimento, céu.
NARRADOR (V.O.)
Uma vez por ano, de Belém ao Rio, do Rio a Belém. Ir e vir pelo menos uma semana pra compartilhar esses momentos, ouvir umas histórias e filmar a vida do meu pai, e no meio disso, o Brasil.
COMANDANTE
Em Belém, céu nublado, 35 graus.
22. EXT. BELÉM - MANIFESTAÇÕES
Registros de manifestações. Fora Bolsonaro. Pauta Amazônica. Batucada e dança.
SEQUÊNCIA 6 - Conhecendo Maricá
23. INT. CASA MARICÁ - ALMOÇO - MANHÃ
VIANA em sua casa em Maricá, corta algumas cebolas.
VIANA
Ih, lá vem ele. Ih. Mas esse é o Viana mesmo? Mas é ele mesmo? Mas é mesmo? Não acredito. Mas é mesmo? Ta bonito, mas é mesmo? Mas é mesmo? Mesmo? O cara tá bonito rapaz. Mas é mesmo?Não acredito, mas é mesmo? Poxa, até agora não acredito. Mas é mesmo? Mas é o Viana mesmo? É aquele cara. Porra, mas é mesmo? Não. Não é ele não. Não é. É. Mas é mesmo?
Bora, desliga esse negócio aí. [cut]
JUNIOR
Bota sal.
VIANA
Peraí. Tem que tirar a tampa, eu vou queimar a mão. Tira essa porra. Bora cara, para de graça. Onde vou botar isso? Quanto de sal? Tá bom?
JUNIOR
Mais. Foi.
Preparação do almoço. Câmera se movimentando para encontrar o seu lugar.
Ao fundo, música “Meu nome é Ebano”.
JUNIOR
A tenção, atenção! Franguito à mesa por favor. Vem pra mesa papai. Vem pra mesa papai. Vem pra mesa papai. Vem pra mesa papai. Bora! Porra! [cut]
VIANA
Almoço cinco estrelas.
JUNIOR
Porra, mas aí esfriando, fica uma bosta.
VIANA
Urhhhh, meu deus do céu !!! Porra cara. [cut]Você é um cara que sempre foi precoce assim. Quando tinha 14 anos, tinha cara de 20. Quando chega em 40, tá velhinho já. 60 vai tá com 90.
JUNIOR
Quem é esse?
VIANA
Tu. Bora.
_
24. EXT. MARICÁ - PASSEIO - TARDE
VIANA caminha por Maricá, visita o clube e a igreja.
VIANA
Olha lá. Isso eu to ansioso pra ver. Esse centro cultural. Ta bom? Bye bye brazil. Eu acho que tenho esse filme lá em casa, se não ficou em Belém, né.
VIANA caminha pelas ruas da cidade.
NARRADOR
Eta caminhada. Passo por passo. Respirando sempre. O cabra gostava era de andar.
< MISTURAR COM O AUDIO DA CENA SEGUINTE >
25. INT. MARICÁ - HISTORIETA - TARDE
(20200304 - viana marica caminhada)
Sentado na cadeira, VIANA conta uma história.
VIANA
Ai que é o seguinte. Nós vamos filmar aqui na praça, agora nós recebemos um prêmio, mas é em euros. Ai tem que converter lá, não sei o que. Aí, demora um pouquinho. Enquanto isso, nós compramos os equipamentos, capitalizamos, entendeu. Se vocês tiverem alguma coisa, rapidola a gente repõe esse dinheiro, entendeu. Quem puder. Não é dado não, é só uma questão de um ou dois dias. Os caras lá, porra e agora? Ah, eu to com 300 euros. E tu? Uns 120. E o outro, 200, o outro, 38, um outro 14, um outro 110. Aí conta ai. Rapaz, nós temos 910 euros. Vou dizer pra ele que só tem isso, mas ele não vai querer né. Ô amigo, me desculpe, não me leve a mal. Mas nós só conseguimos 910 euros, entendeu. Que a mamãe ficou de mandar o dinheiro pra gente, e tal, tem a bolsa da faculdade pra receber. Vai entrar um dinheiro, mas sabe como é essas coisas. Aí mete o governo, o governo trambiqueiro, só quer o discurso, né. Tá, me dá esse dinheiro. Com dois ou três dias tá chegando o meu dinheirão, aí vai ser bom pra gente fazer um almoço aí, uma comemoração. Quanto tu deu?300, eu vou te dar 500, aí o outro, quanto? 37? Vou te dar 200 euros. Ei, anota aí dos meninos. Porque depois eu posso me esquecer, 200 euros pra esse, praquele 500. Vai perguntar com quanto eles contribuíram pra gente pagar. Nosso trabalho é trabalho sério. Os garotos, pô, olha só, impressionante. Saímos de casa, disseram que a gente ia quebrar a cara. Ai tem esses 200tinhos no bolso, faz a economia hein, depois vocês vão passar fome ai. Aí depois foi. Aí os caras, ei grande mestre, como é aquele trocado que a gente tá lisão. Ah rapaz, bom que vocês falaram. É que eu to indo essa madrugada pra Roma, pra receber esse dinheiro, vai ser convertido, e tal, tal, tal. Mas hoje, é que dia? Ah hoje é terça, no máximo domingo eu to aqui de volta. E a gente vai comer o que? Ah, vocês são garotão, sabem se virar né. Aí, eu deixei os equipamentos lá. Onde? Lá. Não se preocupe. Mas é aqui perto? Não, é lá.. Não esquente sua cabeça. [...] Ai, a trilha sonora né. Conceição, clássico brasileiro. Se partiu, ninguém sabe, ninguém viu. E hoje eu daria um milhão para ser outra vez. Tsh. Fechou a cortina. [cut]
26. INT/EXT. JUNIOR NO CREMATÓRIO
Vemos a fachada do crematório. JUNIOR entra e vai até a recepção. Junto da atendente coloca um saco dentro de uma caixa de madeira. Em seguida o carro dá a volta no estacionamento e sai do quadro.
27. INT. MARICÁ - ENTREVISTA - NOITE
20200304 - viana marica caminhada
VIANA assiste televisão. Escutamos uma partida de futebol.
VIANA
Rapaz, não há nada que vá ser interessante para o seu trabalho.
JUNIOR
Então fale da sua infância.
VIANA
Ai ai, o que eu poderia fazer?
JUNIOR
E o Dico?
VIANA
Ah, o Dico ele era o carpinteiro né. Ele se tornou carpinteiro de profissão.
JUNIOR
E ele era de onde?
VIANA
De Capanema. Ele é meu primo né. Da família do papai.
VIANA
Ai o Dico fazia os carrinhos, ai na nossa casa imensa que tinha um quintalzão, aí ele fazia uma estrada, com iluminação, poste, uma cidade, um bairro. Aí os carrinhos que ele fazia, carro de coisa, carro de mudança, carro disso. A gente era assim, né, filho da tia Mariana. Aí rapaz, quando o papai trouxe a minha bicicleta, que era uma das primeiras de Capanema, a halley, bicicleta toda, retrovisor, buzina, porra, eu era pequenininho, depois que eu fiquei grandão. Aí eu não conseguia andar na bicicleta. Aí porra, o Dico, olha pra bicicleta, senta na bicicleta, pega e sai pedalando, e vai embora, entendeu. Pronto, o homem já nasceu sabendo.[...]
VIANA
Ai, como eu era muito franzinozinho, a gente tinha um time de futebol né, na frente de casa tinha uma rua né, que era toda gramada, não era gramado proposital, era esses matinhos. Aí era o nosso campo, ai, o nosso time era eu contra o Dico. O campo era uns 300 metros, ai pegava a bola, e vem pra cá e vai pra lá.Chovendo, aquele torrencial e a gente jogando. (risos)
JUNIOR
E como foi essa bicicleta?
VIANA
Ah, o papai era um empresário. Ai tinha uma loja grande de atacadistas, arroz, farinha, feijão, vendia equipamentos, enxada, essas coisas assim, E era a nossa residência. Ai numa dessas viagens de papai pra Belém, ele vinha no caminhão, aí trouxe a bicicleta. Essa bicicleta criou um problema desgraçado. Que os outros não tinham bicicleta. Aí porra, os caras ficaram com raiva de mim né. A bicicleta, farol, bim-bim, fon-fon. Aí os caras jogavam areia quando eu passava, as pedrinhas. Me sacaneavam.
JUNIOR
Mas tu buzinava pra eles?
VIANA
Não, eu metia o pé.
JUNIOR
Mas aí tu não brincava com a galera não?
VIANA
Não, era uns moleques de rua assim, na época. Agora tinha um negócio que tem assim, hoje em dia é uma ponte, né, chamava o tubo. Era um negócio com um tubão, aí a água passava de um lado pro outro. Aí passava o trem em cima. Aí rapaz, eu vinha acho que da escola, sei lá. Ai escorreguei no meio daqueles trilhos, pelo tubo abaixo. Ai sumi. Ai foi um desastre, cade o zequinha que não chega, e eu lá não sei a onde, lá de baixo de um buraco, sei lá.
JUNIOR
Dentro da terra?
VIANA
Risos. Uns quatro metros, sei lá, três metros. Ai eu, um sapinho desse tamanho. E toma a procurar o menino, ai me acharam no buraco lá.
JUNIOR
E tu, tava fazendo o que no buraco?
VIANA
Sei lá, eu tava cagado lá, com um medo desgraçado.
JUNIOR
E ai, pra te tirar de lá?
VIANA
As pessoas me puxaram e tal. Ai teve também outro lance gozado. Lá em casa tinha um pé de goiabeira, Ai a gente gostava de brincar de juju. Hoje é pique-esconde. Ai a gente se escondia, eu subi na árvore, o outro vinha, ai eu subi na árvore, parecia um macaquinho. Eu e uns outros moleques lá. Nossa turma de criança. Era uma família aqui, outra lá longe. Devia ter um relacionamento. Tinha outros meus tios, que tinham casa perto da gente. Não era isolado. Ai eu fui, o menino subindo na árvore pra me pegar, aí me lasquei lá de cima. Vup. Pulei pro cara não me pegar. Porra, dei com a cara no chão, ai fiquei com o nariz assim, achatado. Olha, aquilo, por meses e meses com aquele nariz achatado assim. Falando assim.
Estrada de Ferro - Belém - Bragança>
INSERT DE IMAGENS NA ESTRADA DE FERRO COM JULIA.
VIANA
Chegava o trem, era uma festa. 200 km de ferrovia, ai na revolução, o maldito do ministro dos transportes, que era o general Juarez Távora, resolveu fazer estrada de rodagem, aí fez né, das melhores que tem hoje. Aí acabou o trem. Acabou as estações, tirou os trilhos, acabou, acabou. Não sei o que fizeram. Acabou o serviço de trem.O papai tinha um caminhão, ai ele fazia transportes pra Belém, comprava no interior, aquelas coisas. [cut]
JUNIOR
E o senhor viajava com ele?
VIANA
Não, só quando era passeio. Aquela cambada. [cut]
Todo mundo tinha um cavalo. O cara ia pra roça com o cavalo. Meu avô vinha lá do interior, aí ele vinha no cavalo, trazendo os paneiros aquilo do lado, aí ele vinha no meio. [cut]
Ele era do interior do Pará, interior de Capanema. Papai que era do Rio Grande do Norte. [cut]
Ele tava no Rio Grande do Norte né, lá era uma base americana, um negócio lá em Natal, aí o pessoal sambaram pro Pará, pro Maranhão. Aí fez essa população. [cut]
JUNIOR
Como assim?
VIANA
No início da segunda guerra, nos anos 30, as famílias nordestinas todas migraram pro Pará, Maranhão, saia fora daquele nordeste né. Porque tinha a base militar lá, avião pra cima, bomba, o diabo, era um rolo do caramba. Lá era uma base militar, lá em Natal. Aí o meu avô pegou a família rasgou, com dez filhos sei lá quanto, ai tocou a vida lá. [cut]
O papai sempre foi um cara, eu puxei ao velho. Meu padrinho era um padre né, padre Salles. Um ícone da igreja católica. Ele era do Piauí. Ai nessa onda, rasgou pra lá e tal. Ai o papai foi ser o sacristão dele. Papai mal sabia ler né. Missa era toda em latim. Aí tinha que comprar os vinhos da igreja.O papai pegava o trem e vinha pra Belém pra comprar, lá no Bispado, pegar os vinhos. Ai o papai tomava logo umas garrafas, rs. E o papai era primo da minha mãe. [cut]
Se conheceram lá em Capanema, ai o papai me pega o cavalo e vai lá pro interior, pra Samaúma. Passava o trem, soltava lá num negocinho pequeno, ai andava seis léguas até chegar lá. Sei que o papai, que era sacristão, roubou a mamãe, botou na garupa do cavalo. Um negócio de louco. Se apaixonaram e pegaram o beco. Ai papai largou o negócio de sacristão e foi ser.. Aí passou o bastão pro meu tio João. [cut]
Aí eu, com meus oito anos, assumi o posto. Eu ia pro interior, agora me lembrei, pegava o trem, soltava lá num interior chamado Mirasselva, num rio. Aí a gente chegava lá, o padrinho ia fazer a festa da padroeira, e eu com ele, desse tamaninho. Eu sabia tudo, em Latim e o escambau. Aí, rapaz, a gente chegou lá nesse lugar, né. Tinha um barco, uma canoa grande, com aquele toldo assim, um lugar pra gente deitar ali dentro. Eu e o padrinho, éramos as estrelas né, naquele apartamento lá. E os caras iam remando, seis horas até chegar no outro lugar. Doze horas de chão, no remo. Mas era o transporte, era a canoa. Aí chegava lá não sei onde. Aí parava pra fazer o lanche, o cara fazia o fogo na pedra, a gente comia. Ai dizia que lá tinha visagem, entendeu. Rapaz, ai quando deu acho que era meia noite que aparecia, ai o cara vambora rasgar que vai dar meia noite, e vai aparecer a visagem ai. É verdade, rapaz, aí pegamos o coisa, quando viu era jogando pedra, um negócio estranho pra caramba, um fenômeno, ai eu escondido lá em baixo da batina do padrinho. Eu com medo desgraçado, os caras meteram o remo, entendeu.
JUNIOR
Mas era tudo escuro? E como era esse fenômeno estranho?
VIANA
Era noite, não sei se era noite de luar ou tal… Era um negócio estranho, uma espécie de jogar uns troços assim, eu não sei se era fantasia, se a pessoa ia acreditar na visagem, talvez não existisse, era uma lenda né. Tinha muita coisa dessas histórias no interior, tinha muito disso. Aí rapaz, sei que foi um sufoco. Aí quando nós chegávamos no interior - chegou o padre Salles. Ih rapaz, ai era prefeito.. uma festa danada. Lembro duma casa imensa, acho que era uma escola que foi desativada. Aí nós ficamos lá. Uma coisa imensa, e a gente só nós dois, padrinho e eu, e eu com um medo desgraçado, eu era medroso pra caramba dessas coisas. Aí a gente fazia missa e tudo, todas aquelas coisas lá, terço de noite, a gente sempre ia almoçar na casa do prefeito, na casa não sei de quem. Olha a comida. Parecia aqueles banquetes, mesa imensa. Porco, carne, frango, diabo, era, vinhos não sei o que lá. Era uma farra da porra o negócio. [cut]
JUNIOR
E o padre Salles? O que ele achava dessas viagens?
VIANA
Sei lá, não me lembro. Mas era comum po. O padre era um morenão, mulato assim, sei lá, cabelo assim meio coisa. [cut]
JUNIOR
E como foi esse fim lá em Capanema?
VIANA
Ih, rapaz, isso aí é outro filme. Bom, hoje em dia o cara é viciado em drogas, birita, não sei o que lá. Naquela época, a grande desgraça era o jogo.Então, o cara jogava fortunas, tudo, sumia de casa, passava dia e noite jogando baralho, esse negócio.
JUNIOR
Mas onde? Num lugar assim?
VIANA
Tinha milhares, tinha cassino, em Capanema que era uma cidade pequena, tinha Cassino, aqueles shows, aquele negócio. Ai o cara ia pra Belém, apostava, ia pra lá. Ai o papai enchia o caminhão de mercadoria, pegava o dinheiro ai ia jogar. Perdia. Vinha fumado, entendeu. Ai inventava história, sei lá como que era.
JUNIOR
Como assim?
VIANA
Ah, certamente, pra mamãe, pra explicar o que que houve. Aí o comércio foi sumindo né, sei lá, dívidas, eu sei que acabou. O papai era um dos caras mais conhecidos. Papai teve num mercado que era imenso, tinha, chamava lá um box, uma loja grande. Dali que ele ganhou dinheiro, ai ele montou essa coisa grande de comércio. Era um supermercado grande. Naquela época não tinha shopping essas coisas, então tudo era grande. Aí papai tinha vocação pra ganhar dinheiro, trabalhava pra caramba. Ai ele expandiu, comprou esse casarão que a gente morava. Ai foi né, abriu aquele comércio dele grande, compras, atacado, vendia. Po, o papai era gente mesmo, tinha o caminhão dele e tudo. [cut]
VIANA[37’17]
Ai chegou um ponto que não deu mais pro papai, ai, um amigo dele disse o seguinte: Olha João, vai ser meu motorista do caminhão. Ai o papai disse, ah não, eu vou ser motorista de caminhão desse cara?Ai sei lá porque cargas d’agua. O papai, ele, a mamãe e a maninha, vieram pra João Pessoa, Recife, Pernambuco, aí se meteram na cidade de Caruaru, sabe. Papai ficou dois meses num hotel, disse que ia não sei o que, empreendedor, sabe, wel wel. Lá fui eu e a maninha pra lá, acho que de avião. Campina Grande! Não era Caruaru não. Sei que ficou dois meses num hotel, ai o titio teve que mandar o dinheiro pra pagar o hotel. Ai recambiou a gente todinho, pro Pará. Eu, papai, mamãe, maninha e a Thereza, nossa irmã de criação. Lá vem a cambada, titio trouxe todo mundo de volta. Aí se fodeu todinho. Ai sei lá, se meteu parece que em Bragança, com não sei o que, sei que daqui a pouco, o homem já tava bem de novo. Aí eu vou me jogar, ai eu vou dar a forra. Aí se fodereteu todinho de novo, rs. Aí eu sei que na volta de Campina, o papai, a mamãe e a maninha né. Eu e a thereza que éramos os grandões, a gente vinha depois né. Aí o titio botou o homem no navio, os três, aí sapecou pro Rio. Ele disse, lá eu faço qualquer porra, mas aqui eu não trabalho pra esse pessoal. Aquele negócio né, era o trompão, pra ser humilhado lá. Ah, eu não vou ser motorista. Aí titio, lá patrocinou tudo, deu um dinheirinho pra ele. Era quase 20 dias num navio né, tinha que comer, despesinhas. Lá veio o velho. Aí eu fiquei lá, acho que em Belém. Aí um dia sei lá porque, manda eles de volta que eu to bem. Ai o titio botou a gente no navio, lá nós viemos, no porão do navio. Eu passava mal, vomitava. O cheiro daquele óleo, até hoje eu não esqueci.
VIANA arruma a mesa e passa a manteiga no pão.
VIANA
Tem mais gravação? Não vai gastar tua fita. Você conhece Bragança? Não? Só de passagem como? Lá não é finalmente?
JUNIOR
Eu fui uma vez pra lá, pra ir pra Ajuruteua.
VIANA
Ah, Ajuruteua é, lá praquela área. [cut]
VIANA
A turma jazzística sabe, bossanovista, botava o longplay de baixo do braço, na calçada da rua. Aí, a gente pegava o longplay, ah olha aqui o que eu tenho. Po, tu tem isso daí, e não sei o que, aquele papo, sabe. No centro, na rua da Assembleia, ali no Rio. Quase todo dia, depois das cinco, chegava um ou outro, entendeu, saindo do trabalho. Aí ficava no papo lá. Porra, uma casinha super modesta, cheio de músico lá, inclusive Sergio Mendes. Porra, minha discoteca não era brincadeira, tinha uns mil longplays, dos quais uns 600 eram todos importados. Johnny Alf que era superstar. O Johnny nunca foi de dinheiro, ficava num barzinho mesmo. Não era esse negócio de estrelismo. Um cara foda, quente, importante. [cut]<SOBE MÚSICA DE JOHNNY ALF.>
28. INT/EXT. CARRO - DESLOCAMNETO - DIA
JUNIOR dirige um carro pelas estradas no Rio de Janeiro.
29. EXT. CASA MARICÁ - TARDE CHUVOSA
VIANA fecha o portão de casa e desce as escadas (arquivo 20180917).
VIANA
Peraí. Ali atrás tem lá as galinhas, os patos dela.
JUNIOR
Como foi que o sr chegou aqui?
VIANA
Eu conheci a moça que era a filha dela, nem sabia que era, lá perto de Flávio, que eu ficava sozinho e ia pra banca de jornal. Ai, dois meses depois, pai o sr não quer morar sozinho? Ah, ótimo. Aí, eu procurei por lá por perto, aí, falei com ela, ela disse, mamãe tem um monte de kitnet, aí eu vim e disse, é aqui que eu vou ficar..
Em tarde chuvosa, VIANA caminha pelas ruas de Maricá. (20200301)
_
30. EXT. NITERÓI - TARDE CHUVOSA
(20190218 - viana niteroi inga)
VIANA
Aqui que o Arcleyde pintou aquele quadro, lembra o quadro que ele me deu? Foi daqui. Pedra de Itapuca. Filma lá. Famosa.
< INSERT DE IMAGEM: Pedra de ITAPUCA em Niterói.
31. INT. ENTREVISTA COM ARCLEYDE
< Fazer e inserir trecho de entrevista com Arcleyde. >
32. INT. MARICÁ - VIANA REVELA DOR NO BRAÇO - TARDE
20200301 - viana tarefas casa jr [c2]
VIANA separa as folhas do manjericão. Jazz standard ao fundo.
VIANA
Ih caramba. Porra, eu to é com dor.
(Cara de dor). [...] Porra bicho, ta doendo pra caramba. Que que eu faço? Tá bom já aqui.
JUNIOR
Vai tirando aí tranquilo.
VIANA
Não dá rapaz, to cheio de dor. Não sei o que eu faço, será que eu vou aguentar essa parada? Ai.
VIANA levanta da mesa, o prato com as folhas de manjericão fica ao centro. A música vai até o fim. [cut]
MVI_0933 / 20200301 - viana tarefas casa jr [c2]
VIANA escuta música sentado na cadeira.
VIANA
One more time. Essa música eu tenho que ouvir duas vezes.
33. INT. MARICÁ - VIANA PREPARA CAFÉ - TARDE
(20200302 - viana jr algodao [c2])
Câmera observacional. Viana acende o fósforo, esquenta a água e faz o café. Na hora de servir o café, revela-se uma certa fragilidade em seu braço. Fundo musical com Arto Lindsay.
(Diálogo fora de campo)
VIANA
Vai fazer uma exposição com esse trabalho aí?
JUNIOR
Não sei.
VIANA
Porra, ia ser o maior sucesso.
JUNIOR
Tu achas?
VIANA
Eu acho. Po o cara ia ficar besta, como é isso? Nunca ouvi falar num negócio
desse. É assim com os caras grandes. Fazem um negócio que parece uma besteirinha. Nada, nada não. É uma dimensão curiosa. [cut]
desse. É assim com os caras grandes. Fazem um negócio que parece uma besteirinha. Nada, nada não. É uma dimensão curiosa. [cut]
Barulho de chamada telefônica.
VIANA
Eu me precipitei de botar o café. Essas cafeteiras agora não seguram não? Já é a segunda que eu compro.
JUNIOR
Eu te falei que tu tem que jogar água quente pra esquentar ela internamente. Lembra que eu te falei?
VIANA
O culpado é o seguinte, foram as três mulheres que me criaram. Eu não fiz essas coisas de casa.
JUNIOR
A culpa é delas é? A culpa não é tua que se deixou levar?
VIANA
A culpa é delas.
JUNIOR
Porra, isso é escroto de falar hein.
VIANA
Argh, mania de criticar as pessoas! Isso é feio hein.
34. INT. MARICÁ - VIANA CONVERSA TELEFONE - NOITE
VIANA
Ele já tá gravando aqui. Ai caramba. Eu como to sem dinheiro, entendeu, eu vou querer uns 10 mil, qualquer coisa assim. Se não, eu vou entrar na justiça entendeu. O problema é que esse cineasta nunca tem dinheiro, rs.
JUNIOR
Ainda mais agora.
VIANA
Rapaz, nós não saímos de casa pra te falar a verdade. É, mas o Junior ficou trabalhando aqui o dia inteiro. Esse menino vai dormir todo dia 3 horas da manhã. Eu fui pro médico, saí 8h de casa. Todo mundo elogia lá, o hospital. Eu achei rápido, desenrolei tudo lá em meia hora. [cut]
[...]
É da esquerda, Fidel Castro, por isso que ele tá com essa barba. Meu deus do céu. Eu li numa coluna do.. que ele chamava o Bolsonaro de vírus, Bolsovírus.. Pois é.. Rapaz, o menino tem tanta sacolinha, parece que ele veio da feira, putsgrila. E lá vai ele com os livros.[cut]
35. INT. MARICÁ - VIANA E JUNIOR CORTAM ALGODÃO - NOITE
(20200302 - viana jr algodao [c2])
Vemos uma tesoura cortando um tecido de algodão, de uma ponta a outra do quadro, enquanto VIANA e JUNIOR conversam sobre Maricá não ter nenhuma livraria.
36. INT. MARICÁ - VIANA VARANDA NOITE
(20200305 - vian casa)
VIANA caminha para a sacada durante a noite e observa a lua.
VIANA
Porra, é pra lá cara. Que coisa bonita!
JUNIOR
O que tem a lua?
VIANA
Eu achei bonito aquela parte ali.
JUNIOR
E o céu tá bem estrelado.
VIANA
Isso que eu digo. Tem estrelas?
JUNIOR
Tem ali, várias. Lá em baixo, as três marias. Deixa eu desligar essa luz aqui.
JUNIOR apaga as luzes.
VIANA
Eu fico pensando, como é a pessoa morar ali em cima né. A dificuldade. [cut]
JUNIOR
O senhor acha que as pessoas diminuem?
VIANA
Sei lá, eu acho que sim. Porra, no aniversário dos meninos, eu tou sentado quase de baixo da mesa. Os caras, ul ul, e eu lá, parece um pedacinho. É um negócio meio terrível.
VIANA acende as luzes.
JUNIOR
Olha, fica bonito pra fazer a filmagem. Quer ver, senta ai nessa cadeira rápido.
VIANA
Não, eu não.
JUNIOR
Só rápido pra eu ver uma coisa.
VIANA senta na cadeira.
VIANA
Chega. [cut]
37. EXT. SHANSHUI - MONTANHA E AGUA
Vemos um conjunto de imagens que evocam a passagem do tempo através da paisagem, na relação água e montanha. Dia nublado, neblina encobrindo montanha, córrego de água, pedras úmidas, brilho.
38. INT. ATELIE - NOITE/DIA
Vemos um conjunto de imagens que situam a vida em Belém. Mãos peneirando um punhado de lascas de mica. Reflexos e brilhos. Na tela do computador imagens da ministra da cultura ao lado da primeira dama e da ministra dos direitos humanos. As imagens são salvas em uma pasta. Na tela, uma pasta é criada na aba "Roteiros", se chama "Sertão Amazônico". O dia está amanhecendo. Observamos elementos de uma paisagem urbana. A chuva chega. O barulho da chuva dá lugar à música que vem da rua.
39. INT/EXT. DESLOCAMENTO - EM DIREÇÃO AO AEROPORTO
As imagens observam a chuva forte na cidade de Belém. Carros em engarrafamento. Buzinas. Um ratinho aparece e quase é atropelado. Corta para interna no carro. A chuva intensifica. Lá fora, as árvores balançam. A cidade se revela pelo enquadramento da janela do carro sob a chuva. Três amigos se divertem no caminho em direção ao aeroporto, sob a pressão do tempo. Do barulho constante do para-brisa, escutamos as turbinas de um avião. Corta para a vista da janela durante a subida do avião. Pouco a pouco, vemos Belém úmida em baixo, os reflexos da água brilham entre as ruas da cidade. A imagem dura, enquanto o avião sobrevooa a região, entre a cidade e o grande rio.
SEQUÊNCIA 7 - Encontro Viana doente
40. INT. MARICÁ - DOR - MANHÃ
20201125 - viana dor casa
Câmera observa VIANA sentado na mesa da sala, com as mãos no rosto, em plano fechado, ligeiramente contraluz.
VIANA
Porra, a minha caixinha de som ali ó, aquela azulzinha, boa pra caramba, a bicha deu um treco aí..
41. INT. MARICÁ - CARREGADO DO BANHEIRO NU
20201125 - viana dor casa
JUNIOR carrega VIANA do banheiro à cama. O corpo de VIANA perdeu parte dos seus movimentos. Ao fundo, música com violoncelo.
VIANA
Ai, ai!
JUNIOR
Calma, calma.
VIANA
Eu vou ficar 30 segundos aqui, ai depois eu sento na cadeira, 30 segundos, porque me cansa.
JUNIOR
Se sustente, o sr tá ficando meio mole. Vai sentando sem se jogar. Porque se jogar, o cara se destrói todo.
VIANA
Agora, você faz o favor.
[...]
42. INT. MARICÁ - CONVERSA - MANHÃ
20201126 - viana conversa casa
VIANA sentado na cadeira, sem poder andar, com os movimentos bem reduzidos.
VIANA
O álcool, do lado direito onde estão as bebidas. Ai tu vai lá e compra logo um açúcar. Sugar, sugar. Rapaz, esse remédio, aquele ali. Eu acho que esse aí é pra regular o intestino né. Vê se tem alguma coisa escrita.
JUNIOR
Omeprazol. Posso olhar.
VIANA
Aí, eu vou dar uma parada nele.
JUNIOR
Vou olhar aqui.
VIANA
Depois tu vê, eu tenho tempo pra tomar remédio. Vai logo lá, pega um real aí, passa na padaria, pega 1 real de pão. Compra 2 não, que vai ficar duro. Quando tu quer fazer essa consulta, faz por onde? Pelo YouTube é?
JUNIOR
Não, jogo no google. Omeprazol indicação.
VIANA
Então, todas essas informações, qualquer coisa, escreve lá no google é?
JUNIOR
É, o google é o lugar que tu faz pesquisa, pode jogar Omeprazol, pode jogar por exemplo, AVC. O que fazer depois de um AVC? Ai vai tirar vários sites. Videos, imagens, textos.
VIANA
Ah beleza. Quando a moça vier, eu vou ficar lá fora.
JUNIOR
Não, espera o que ela vai dizer. O que é melhor. [cut]
43. INT. CASA - FISIOTERAPIA - MANHÃ
20201126 - viana fisioterapia
Viana deitado na cama, a fisioterapeuta massageia suas pernas.
00106
GLAUCE
Eu só quero que o sr fique bom.
VIANA
O ator principal sou eu, como é que vai sair.. Eu sou o ator principal, tu quer fazer um vídeo do cara, mas se ele não tiver, como é que vai ser? Cade o cadáver? [cut]
GLAUCE
Sentir dor é bom, sinal de que está vivo. Quando a perna puxa é que... Graças a deus que o sr.. Tá pouco, mas tem. Tem gente que fica sem movimento nenhum, sem estímulo nenhum. [cut]
00110
GLAUCE
É, um ajuda o outro.
VIANA
Mas ele é muito coisa, ai a gente sai no pau aqui.
GLAUCE
Mas vai ficar tudo bem. [cut]
00111
VIANA
Aí ele daqui a pouco, - eu to desde madrugada limpando mijo.. e não sei o que..
GLAUCE
Mas é assim mesmo, nenhum dos dois tá acostumado com o que está acontecendo. O sr tá se adaptando e ele também.
VIANA
Aí eu digo, - quer saber de uma coisa, pega as tuas coisas, pega a tua mala e vai te embora. Daqui a pouco toca aquela música - entre tapas e beijos.
GLAUCE
É desse jeito. [cut]
00112
GLAUCE
Eu sou doida pra ir naquele negócio do Círio. Acho tão bonito aquilo.
00113
VIANA
Menina, o Círio, o pessoal naquela corda, e outros cadeirantes, e tudo quanto é coisa.Cheguei aqui com 16, voltei pra Belém em 85, fiquei 31 anos, ai voltei pra Belém, fiquei casado com a sua mãe 30 anos. Aí ela disse, - samba daqui seu desgraçado.. Aí me jogou, vai pra lá com teus filhos, vai feder longe. Aí rapaz, vim parar aqui.
Ai eu digo assim, olha. Quando eu vim pra cá, o meu filho ai ele disse "pai o sr não quer morar num lugarzinho seu", eu não sabia fritar um ovo. Aí eu sempre digo esse negócio, que eu fui criado por 3 mulheres, a minha mãe, que ficou comigo até os 28, ai me casei aqui, mais vinte e tantos anos, ai fui pra Belém, ai minha irmã disse, venha pra cá. Ai eu digo, nunca mais vou querer saber de casamento. Ai numa festa lá, 10 grades de gelada, aí conheci a mãe desse daí, seis meses, eu tava casado de novo, mais 30 anos. Até receber o passaporte.
Mas agora a gente se fala. A doença é boa por causa disso. Tadinho. 60 anos tá na flor da idade. Tá sassaricando. Pai fala aqui com a mamãe, ai eu "oi". Você tá melhor? "não". [cut]
JUNIOR
Essa é aquela camada superficial da história.
GLAUCE
Risos.
VIANA
Versão do filho "o puxa-saco da mamãe".
GLAUCE
Ele falou que ganhou o passaporte.
VIANA
O passaporte é o pé na bunda.
GLAUCE
De graça não foi que ele ganhou esse passaporte, mas a gente ri.
VIANA
Eu fiz um cartel muito.. Várias faixas sabe. [cut]
VIANA faz exercícios com a perna.
GLAUCE
1..2..3..4..5..6...7.8..9..10.. Pronto..
44. INT/EXT. CARRO - DINÁ NO CARRO - MANHÃ
Do banco de trás, durante o carro em deslocamento, vemos por uma certa duração DINÁ pensando.
45. INT. CASA - INTERAÇÃO COM GRAVADOR - NOITE
VIANA
Olha a minha camiseta, onde você guardou. Puta merda. Ela tá há três dias ali, agora ela mudou de lugar.
JUNIOR posiciona o gravador em frente de VIANA.
VIANA
Que é isso ai?
JUNIOR
Fala aí.
VIANA
O que rapaz?
JUNIOR
Fala aí, that's all.
VIANA
Hein? I never be the said.
Risos. [cut]
SEQUÊNCIA 8 - Visita do amigo Lucival
46. INT. CASA MARICÁ - VISITA LUCIVAL - DIA
20201202 - viana visita tioluc
LUCIVAL
Ê tio!
Câmera observa LUCIVAL na cozinha e se desloca até o pátio onde VIANA está sentado.
VIANA
Você pode pegar o carregador ali pra ligar aqui?
JUNIOR
Tem que fechar essa cadeira ai, que ela tá andando. [cut]
VIANA
Esse aqui é o meu irmão que eu não tive, a pessoa que nós nos conhecemos desde antes do dia que eu conheci a minha esposa. Aí eu quando eu fui pedir a mão de casamento da Diná pra ele. Ele disse, porra tu já comeu tudo, agora tu quer a mão só. E assim nós vivemos 30 anos, curtindo, apertado, e o caralho né Tio Luc.
00126
LUCIVAL abre o pacote de camarão.
LUCIVAL
Tem que ser bem lacrado por causa do vôo. [...] Aqui vai rolar um tacacá, um tacacá dançante.
JUNIOR
Pra levantar o cara é..
00127
LUCIVAL
Esse aqui é o tucupi, tem que vir congelado pra embarcar. Ele é extraído da mandioca, a partir de um processo.
00129
Vemos LUCIVAL descascar o camarão. Ao fundo, música.
VIANA
Porra tio, isso é covardia na minha frente. Eu sou idoso hein.
VIANA canta 'besame mucho'.
00130
VIANA
Agora temos aqui um autêntico paraense, pra fazer um tacacá.
VIANA canta "hasta cuando, hasta cuando?"
LUCIVAL finaliza o arroz paraense e leva para o pátio.
00135
LUCIVAL
Arroz preparado no tucupi, com xicória, jambu, salsinha e o nosso camarão, e azeitonas pretas que combina com o camarão.
00134
JUNIOR
Esse almoço maravilha, pra gente celebrar esse encontro né.
VIANA
Tá bom tio luc.
JUNIOR
Bota mais uma azeitoninha.
LUCIVAL
E um camarãozinho que esse pequeno é bom de boca. Um azeitinho.
47. INT. CASA - COLOCAR A FRAUDA - TARDE
Luz do fim de tarde, VIANA deitado. JUNIOR coloca a frauda em VIANA. Música ao fundo.
JUNIOR
Vem, vem, mais um pouco. Levanta aqui do lado.
48. INT. CASA - VIANA NO BANHO - NOITE
Sequência de planos do processo para tomar banho durante a madrugada.
49. INT. CASA - NOITE PÓS BANHO - NOITE
20201204 - viana conversa contraluz
VIANA
Que cineasta, que cineasta. Eu não conhecia você. Esse daí, de agora.
< INSERT DE IMAGEM >
NARRADOR
Que cineasta, que cineasta.
50. INT. CASA - TACACA - NOITE
20201205 - viana apzito
00146
Fundo musical jazzistico.
LUCIVAL passa uma cuia com tacacá e vemos VIANA tomando tacacá.
VIANA
Tinha o grupo compacto. Aí, sábado, a gente ia fazer uma reunião lá em casa. Aí eu fazia um repertório vocal, também, tinha o jazz instrumental e o vocal. Aí, o que é que eu fazia, lá no trabalho, na máquina de escrever, eu copiava as letras todinhas das músicas que iam tocar, entendeu. Aí cara, eu pegava, a máquina de escrever, um bloquinho, o papel carbono, aí eu ia bater, fazer aquelas coisas com as letras das músicas. Aí na hora que ia rolar o negócio, eu vinha com as letras e distribuía pra cada um, aí a moçada já meio porrada, começava a cantar, aí eu de sacanagem, tirava o som, o volume, ai ficava aqueles patetas lá, já viu aquele coral maravilhoso. Dava um trabalho de preparar.
JUNIOR
Era a experience.
51. INT CASA - LUCIVAL MASSAGEIA VIANA - DIA
Vemos em contra-plongé VIANA sendo massageado por LUCIVAL.
VIANA
Lá vai o doutor filmando. Tem o tutiço e o roskof. Aí o sr mete o dedo, ai vai vai vai.
LUCIVAL
Olha, eu vou descendo aqui manobrown. Mas aí é de leve, só na beirola. [cut]
VIANA
Crianças saiam de casa, que agora é uma conferência aqui, do tutiço ao roskof.
VIANA
Se eu fosse pedir uma coisa, eu ia levar porrada agora, então não vou nem pedir. Eu vou ter que ir pra cama.
LUCIVAL
Porra, não vá pra cama.
VIANA
Eu não to aguentando. Pega o andajar aí pra mim.
00155
A câmera observa o processo para VIANA conseguir se deslocar até a cama. Em seguida, LUCIVAL dá água na boca de VIANA.
52. INT. VIANA DICURSA - MANHÃ
20201207 - viana conversa casa
LUCIVAL
Uma sanduba especial, com pão de leite, preparada para Maricá.
VIANA
Como eu comecei a falar, a minha felicidade da presença, do meu amigo, na vera, parceirão, passamos ótimas situações e outras brabas. Nós nunca tivemos uma disavença, não sabemos nem o que é isso. E ele me vendo nessa situacão. Eu vou ficar com meu amigo. Aí, ele me liga e diz. Viana, eu vou praí, que eu quero ficar contigo. Aí, porra, fiquei tão feliz, que eu estou quase sem palavras para descrever, mas em resumo, o importante é isso, que ele veio, ficou comigo, me tratou com todo carinho, respeito, brincamos, relembramos o passado, então foi a felicidade completa. E isso vai ficar gravado, aqui, no meu coração. Mais esse gesto maravilhoso, que só um amigo mesmo tem a coragem de fazer. Te agradeço meu irmão. E um abração, é só isso.
LUCIVAL
E você é o irmão que eu não tive. É o nosso slogan. [cut]
SEQUÊNCIA 9 - À caminho de uma cirurgia
53. INT. RESSONANCIA VIANA - MANHÃ
20201212 - viana ressonancia carro visita
Vemos VIANA deitado na máquina enquanto o TÉCNICO ajusta os detalhes para realizar uma ressonância magnética em sua cabeça.
TECNICO
O sr vai ficar segurando essa bolinha, que é da campainha, se o sr precisar me chamar pra alguma coisa, tá bom? [...]
TECNICO
Vê se o sr consegue entrar mais um pouquinho esse pescoço, encostar bem o ombro nessa peça. Vai, encostou? Tá ótimo.
Isso aí, bem paradinho, tá bom? [cut]
54. EXT. CARRO - DESLOCAMENTO COM ZE E MARA - DIA
ZÉ, VIANA, MARA e JUNIOR se deslocam por Maricá e conversam sobre integrar o laudo na próxima consulta.
55. INT. CASA - FAZER A BARBA DE VIANA - DIA
Com uma tesoura desamolada JUNIOR corta a barba de VIANA.
56. INT. CASA - VIANA MEXE NO CELULAR - TARDE
20201213 - fotos casa
MVI_1746
Luz bonita, plano fechado nas mãos que tentam fechar uma caixa, em seguida mexem no celular. (plano de transição e respiro).
57. INT. CONSULTÓRIO - EXAME
20201217 - viana exame ambulancia
Vemos no monitor as imagens do exame, enquanto o médico examina e inscreve informações em cima das imagens.
MEDICO
Tem arritmia seu Zé?
VIANA
O que é arritmia?
MEDICO
Coração batendo irregular.
VIANA
Não, não..
JUNIOR
Ele é hipertenso.
MEDICO
Ele já fez esse exame antes?
JUNIOR
Não. Ele foi perdendo os movimentos pouco a pouco. E ai o Peçanha disse, não, isso não é AVC.Mas eu vou pedir essa coisa da coluna porque eu acho que a coluna tá impedindo o sangue de bombear o cérebro. [...] Que que mostra as imagens ai mais ou menos?
MEDICO
Não, só quero saber.. A fraqueza motora é dos dois lados ou de um lado só?
JUNIOR
Só do lado esquerdo. Braços e pernas e também essa coisa do xixi e do coco, que tá um pouco sem controle. Quer dizer, até tem um controle, mas..
MEDICO
Nível de consciência.
JUNIOR
Na ressonância deu uma fratura, numa coisa aqui do pescoço, da coluna. C3, eu acho.
58. INT. CASA - SAMU LEVA VIANA - NOITE
20201217 - viana exame ambulancia
00174
Câmera observa a equipe médica levar VIANA para o atendimento de urgência e emergência. Ambulância na rua. Irmãos.
59. INT/EXT. CARRO COM ZÉ - NOITE
ZÉ e JUNIOR conversam sobre a ideia de simular uma queda para ambulância resgatar e quem sabe conseguir fazer a cirurgia.
60. INT. HOSPITAL - VIANA COM SONO - MANHÃ
20201225 - natal
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VIANA
Eu só posso ir lá pra fora, depois que eu fizer o 2.
JUNIOR
Tendi, pra ficar tranquilo né. Eu acho que o Zé pode trazer um shortinho.
VIANA
Ela não falou que tem short ai?
JUNIOR
É, tem. Aí quando fizesse esse cocô, ficava de short.
VIANA
Pede pra ele trazer então, ai a gente guarda o nosso. Pede um à moça e deixa o nosso na regra três. Mas por enquanto não, nada de short. Vou ficar nessa situação.
JUNIOR
O seu olho tá ok, ou tá irritado?
VIANA
Ah, tá, se é que você pode chamar alguma coisa de normal né. [...] Queria era dar uma dormida.
JUNIOR
Então fecha o olho. Fecha o olho um pouquinho.
61. EXT. NITERÓI - LUZES NA PRAIA - NOITE
A câmera se movimenta com desfoco pelas luzes da cidade. Pouco a pouco um homem se aproxima correndo na beira da praia durante a noite.
> Insert de fundo musical.
62. INT. HOSPITAL - SONHO DO VIANA
20201225 - natal
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VIANA deitado na cama do hospital.
VIANA
Eu tive um sonho, eu acho que só podia ser sonho. Aí, eu acordei, passei a mão, cade a criança? Não achei de jeito nenhum. Aí veio um enfermeiro, veio tudo, e eu aqui agoniado, procurando, não acharam. Aí não sei quem falou, o lixeiro passou aqui há pouco tempo, aí eu, tinha dois, você e zé, sei lá, ai corre lá, vê lá em baixo no caminhão do lixo. Aí, chegou lá, olhou, ih o caminhão tá há uns 500 metros daqui. Mete o pé na carreira e vai procurar minha criança. Aí, o cara saiu igual um doido correndo atrás do caminhão.Ai chega lá, o caminhão de lixo vai parando, aí ele tava parado, ai a pessoa subiu no caminhão pra procurar, no lixo né, ai tava bem encostadinho assim, ai achou, botou em baixo do braço e trouxe aqui pra mim. Aí ele descansou. Minha criança cara..
JUNIOR
Mas quem era essa criança?
VIANA
Esse bichinho aqui.
JUNIOR
Mostra ai ele..
VIANA mostra um bichinho de pelúcia.
JUNIOR
Ah, era essa a criança.
VIANA
Sim,
JUNIOR
E como era o nome?
VIANA
Criança.
63. EXT. CARRO COM MARA - NOITE
De dentro do carro, em chuva torrencial, vemos luzes da cidade em formas quase abstratas.
JUNIOR
E o zezinho, vai ficar a noite lá?
MARA
Vai, aí amanhã a menina vem, né.
JUNIOR
Não sei, ele falou que a Carmen vai de manhã..
MARA
Isso, e uma outra pessoa vem à tarde.
JUNIOR
Será que eu vou deixar?
MARA
Eu acredito que sim, né.
Chuva [...]
JUNIOR
E o zezinho, será que ele descansou?
MARA
Descansou. Não dá pra relaxar total.
JUNIOR
É, a gente tá no meio da missão né.
MARA
Tem muita coisa ainda. Eu tava falando com ele, que eu acredito que os médicos devam operar.. terça. [...] Permanece que você vai filmar o MAC aí.
O carro para num sinal. Vemos uma mulher falando no telefone, de baixo de uma sombrinha atravessando. Em seguida, no letreiro digital "Coronavirus, ligue 136. - 19:12 - 25dez.
MARA
Eu to com medo do carro parar.
JUNIOR
Não, não vai parar, mete a segunda.
MARA
Eu já tô nela ! [cut]
64. INT. HOSPITAL - MANHÃ
VIANA com a barba raspada.
JUNIOR
Me fala aí o que o sr quer.
VIANA
Estou bem, vou fazer a operação amanhã, estou tranquilo. E se tudo ocorrer bem, em cinco, dez dias, estarei em casa. Vamos com deus, rezar para que eu tenha sucesso nessa empreitada. Uma boa tarde para todos e fiquem com Deus.
65. MONTAGEM - SEQUENCIA DE FOTOS
66. INT. HOSPITAL - UTI
Em meio aos barulhos de UTI, com máquinas apitando, vemos VIANA e em seguida o monitor que indica a situação de saúde.
SEQUÊNCIA 10 - O falecimento de Viana
67. INT. NOTÍCIA DO FALECIMENTO - MANHÃ
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JUNIOR está deitado na cama. Levanta, pega o celuar e coloca a música "That's all", de Diana Krall. Em seguida, abre o whatsapp e vemos as mensagens no grupo dos irmãos, que revelam o falecimento de VIANA. Em seguida, vemos alguns pássaros voando sob o céu. Primeiro um, depois dois, depois uma dezena deles. Ao fundo as montanhas do Rio de Janeiro visto de Niterói.
(pássaros voando em 20210111 - praia ze mara)
68. EXT. LAGOA DE MARICÁ - MANHÃ
Uma coruja ao lado da cruz encara a câmera.
[FADE OUT]
SEQUÊNCIA 11 - Peregrinação com os restos mortais
69. INT. CASA SP - MANHÃ
Vemos uma porta fechada. JUNIOR entra pela porta trazendo uma encomenda. Trata-se de uma caixa de madeira que com EWA acomodam dentro da mala, prestes a viajar.
70. INT. ONIBUS - EWA REFLETE - NOITE
20240225 - onibus marica sp
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EWA
Mas se não tivesse filme. Você faria o que, você acha? Em relação a essa data aí que tá chegando, que eles vão colocar os restos do teu pai no ossário, se vocês não fizerem nada?
JUNIOR
É difícil saber porque.. Se não tivesse tendo isso como um projeto, eu não sei se eu teria recursos pra bancar..Eu acho que aquela coisa que a Mara disse, eu achei muito interessante, porque o final desse processo, dessa vida, foi completamente sem rito nenhum, foi um fim seco, xoxo, sem.. [cut]
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Isso abre uma espécie de pergunta, eu não me sinto vinculado a nenhum formato cultural, a nenhuma tradição de nada, é como se eu tivesse que pensar sobre o que fazer, em vez de simplesmente fazer. [cut] Talvez interessante pensar o que que se pode ter de sentido, implicação para uma certa vida espiritual, abre uma questão né, sobre o que que se considera sobre a morte assim. [cut]
Enfim, o que que são os ossos? O que que são essas reminiscências materiais? Muitas culturas guardam né, como um certo bem precioso.
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Eu começo a pensar a partir da minha cabeça, que é inevitável que esteja vinculada a uma obra, um filme, uma criação, pq afinal, eu não tenho como desconsiderar isso. Eu começo a pensar que o que possa ser feito de mais interessante é fazer disso um processo, né, uma vez que de certa forma um tanto quanto inconsciente nós chegamos diante da questão, no prazo quase final, é como se fosse uma espécie de caminho que a vida abriu. Então, eu sinto que eu preciso dar uma beleza nisso, talvez criar um próprio rito, já que foi um processo sem rito algum.
EWA
Eu não acredito no pós-morte. Mas, o que acho que a gente não pode esquecer, é que a gente, vivos né, não deixamos de fantasiar os nossos mortos. Eles não deixam de habitar a gente, quer seja de forma muito pontual, ou de forma contínua. Há visitações fantasiosas, ou a gente busca eles, ou eles nos surgem.Quando eu digo isso, eu digo, ou em forma de memória, e pras pessoas mais sensíveis, em forma de presença, de sonho, de de repente alguma coisa de energia, eu acredito nisso. Eu acredito na nossa necessidade, as vezes, consciente, de poder dar formas dos nossos mortos continuar a permear nossa realidade. E me parece que ter algum lugar onde podemos em algum momento, pode ser uma vez na vida né, que os nossos mortos, estão em algum lugar de acolhimento, em alguma cova, em algum útero da terra, em alguma coisa que possa acolhe-lo, pq o corpo que sobrou deles né, os ossos, que enquanto a pessoa tava viva, os ossos estavam aí, estruturando, materializando essa pessoa. Então não vejo porque o osso não ser importante. Meu, os ossos sou eu, né. E, claro que é uma forma de pensar, mas eu não vejo porque os ossos não são importantes, uma vez que a vida já se foi. O osso ainda está aqui, e simbolicamente ele me representa, eu ainda estou aqui, de alguma forma, e eu sinto que o lugar onde escolhemos deixar os nossos mortos, eles possibilitam, a gente não romper o diálogo com as nossas memórias e com os nossos mortos, não romper o cuidado, não romper, eu sinto que se esquecer desse lugar do material é perder um pouquinho a ligação. Não tenho certeza, tá. To tentando entender o porque que eu, a nossa família, a gente presa pra quem já se foi. Num lugar que possa permanecer ao nosso alcance. Um lugar que possa permanecer em alguma árvore do lado, algum lugar assim, acolhedor.
71. EXT. PRAIA - ZE, JULIA E EWA - MANHÃ
ZÉ, JÚLIA e EWA tomam sol na praia.
JUNIOR
A tia Umbelina tá no sul né, então pensei em visitar ela, ouvir as histórias, gravar. E aí é isso, ela tá no Sul, então em todas as regiões do Brasil, a gente tá tentando sobreviver, ficar melhor.
ZE
Isso é coisa de paraense né.
JUNIOR
Não, é esse migrante nordestino que chegou, que é o branco pobre.
ZE
Seus colegas estão espalhados por todo lugar. Meus colegas de escola, nós achamos 40, e eles moram no mesmo lugar. Você desde jovem, tem esses seus colegas de escola espalhado pelo Brasil inteiro.
ZE
Nossos parentes, tem até uma dissertação, de mestrado eu acho, de alguém que estudou isso, o pessoal indo praquela região lá. O pessoal ia fazendo a estrada de ferro, aí ia doando as terras do lado.
JUNIOR
Que é Bragança, Capanema..
ZE
E tem o pedido lá dos nossos parentes, pedindo terra. Eu achei tudo. Um requerimento lá, deles pedindo terra na margem da estrada tal. [cut]
JUNIOR
É ótima essa camerazinha, porque ela é discreta, e é bonita a textura da imagem.
JULIA
Ela tem um foco bonito também. Mas eu acho que a vovó Glória vai te passar uma visão muito de, acho que nem da ex-mulher, mas a ex-namorada, da juventude, como que foi conhecer o vovô num baile, dele voltar com a tia Umbelina no colo pra não acordar o pessoal na vila, que são umas coisas, pô. [cut]
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JULIA
Olha isso. Vovô com três filhos pra criar, saía na sexta a noite e voltava na segunda de manhã pra trabalhar. Vovó nunca soube onde é que ele tava nesse momento, e ela nem falava isso pra vovó Marieta, nem pra tia Nilda. Fala, ah, ele tá trabalhando. Mas é isso, tem essa outra Niterói que ele tava frequentando, que é onde?
JUNIOR
Que eu não sei se era Niterói, ou era no Rio.
ZE
Ele ficava naquelas boates, na bagunça, jazz.
JULIA
Ué, mas três dias? Mas onde é que ele dormia?
JUNIOR
São os mistérios. [cut]
72. INT. CASA FLAVIO - CONVERSA COM ANDREIA - MANHÃ
Vemos FLAVIO de costas comendo algo, a câmera gira o eixo e observamos ADREIA sentada no sofá, ao lado da janela.
ANDREIA
[...] tem gente que joga no mar, tem gente que vai numa floresta, ou joga no rio, ou não, você vai guardar isso? [cut]
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ANDREIA
Ah, você ainda vai em Belém, ainda com ele?
JUNIOR
A ideia inicial era terminar em Belém, fechar em Belém, mas até então, ainda não imaginei que lugar é esse que se fecharia em Belém, até pq talvez aí ele não criou um vínculo assim.
ANDREIA
Ele foi muito feliz aqui né.
JUNIOR
Como tu disse, aqui ele se assentou né.. [cut]
ANDREIA
39:36
Ele recebia as vezes ligações e saía, ai eu pensava - com quem que seu zé tá falando - a gente desconfiava que ele tava falando com a mulher lá de Belém, aí fui lá pro quarto e, sabe aquelas coisas de novela, botei um copinho, deixa eu ver se ele vai falar o nome dela, se ele falar o nome da sirigaita, eu vou invadir aqui e dar uma bronca nele; ai eu não conseguia ouvir direito, aí eu comecei a rir. Então eu soube disso depois, porque eu não sabia da coisa toda, olha era muito engraçado, eu com copinho, em defesa dos oprimidos, defender as mulheres que eu conheço até o final. [cut]
FLAVIO
Todas as mulheres que o papai deixou, elas prosperaram. Você Junior, deu sorte, que o papai sempre te aliviou. A única pessoa que o papai aliviava de dinheiro nessa vida era você.
JUNIOR
O privilegiadinho.
FLAVIO
Não é de soltar dinheiro, é de destruir a sua vida.
JUNIOR
Mas na verdade, muito por pressão da minha mãe.
FLAVIO
O papai arruinou o cartão de crédito de todos os parentes, e dos amigos dos parentes. Todas as sogras, arruinou a vida de todo mundo. E ele não tinha o menor pudor de fazer isso, menor caráter, na maior tranquilidade do mundo. [cut]
Nunca me deveu nada, porque eu nunca dei dinheiro pra ele. Ele era capaz de pedir uma promissória, pegar esse dinheiro e dar pra essa mulher lá, inteiro. Ai ele ficava com a dívida, e você ficava pagando 500 reais, 1000 reais no seu cheque especial e ele dava pra outra mulher, sem o menor pudor, podia ser um filho ou um desconhecido. Dormia a noite toda com o sono dos anjos. A única pessoa que ele não fez isso foi com o Junior, o Junior tinha um cartão de crédito e ele não usava. Não botou ele de sócio da firma, nunca abriu firma no nome dele.
JUNIOR
Mas não foi porque ele não quis, então nesse sentido eu preciso defender a minha mãe que me defendeu.
FLAVIO
Mas a sua mãe sempre falou isso. A gente sempre falou isso pra ela, se deixar, ele vai destruir. Po, a mamãe foi muito pior. Depois que o papai foi embora, mamãe ficou pagando agiota toda a semana, com o salário mínimo que ela ganhava no Antônio Pedro, porque ele deixou agiota que mata os outros, vai na casa da pessoa e toma as coisas. Deixou vários agiotas, o cara entendeu e falou, a senhora vai me pagar, mas eu vou parcelar, tipo, se me deve 10 mil, vai pagar mesmo que seja 100 reais por mês. Mamãe tinha todos os serasas da vida bloqueando as contas dela. E ele nunca teve o menor pudor por isso.
ANDREIA
21:15
Naquela época dela, elas eram as mulheres fáceis, que se vendem por pouco. E quando o cara depois retorna, ela é obrigada a aceitar e continuar fazendo pro cara, a mesma coisa que ela sempre fez depois de tudo que passou. Então você vê, a criação que elas tiveram foi essa, de servir pro marido, tá pronta pra servir o marido, independente do que ele é ou deixa de ser. Hoje em dia, ainda tem, tem muita mulher que é apaixonada, que vão à ruína, e não é só mulher não, tá. Isso é homem e mulher. Vão à ruína, por tamanho amor que tem pelo outro, e não percebe que o outro tá levando ela pro buraco.
EWA
As vezes percebe e não consegue sair fora. Ou já perdeu a força vital de autoproteção.
ANDREIA
A gente vê, as violências contra a mulher, não adianta você falar, a mulher tem isso porque a mulher desde lá de trás, ela tá sempre abaixo do homem, hoje em dia no mercado de trabalho, você vê que até hoje a luta que existe pra isso. Você vivendo numa empresa grande, você vê isso acontecer. Você vê uma mulher que vira presidente, ela com salário menor do que o cara no mesmo cargo que ela. Já muita coisa se desconstruiu com diversas lutas, tem essa separação até hoje no mercado, não deveria ter, deveria ser direitos iguais para todos. Você pega isso e joga pra cá, você vê, da mãe dele precisar estudar, botar um livro dentro de uma revista, porque ele não podia ver que ela tava estudando, entendeu. [cut]
73. INT. AEROPORTO - URNA CIRCULA NA ESTEIRA - MANHÃ
Vemos na esteira de malas a URNA circular, trata-se de uma caixa de madeira na forma de um cubo, com os restos mortais, embalada em um tecido marrom. EWA alcança o objeto, acomoda-o no carrinho e segue.
74. INT. CASA DINÁ - CONVERSA ENTORNO DA URNA - TARDE
DINÁ e EDUARDO em volta da mesa após o almoço.
DINÁ
A gente vai mudando, vai vivendo, vai aprendendo. Há quem viva de passado, eu não vivo de passado. O passado só interessa aquilo que me faz feliz, o que não faz.. morreu.
EDUARDO
O que que o passado tem?
DINÁ
Tipo assim, o que aconteceu com o Viana, aconteceu. Memórias boas, coisas ruins, coisas boas. Alegria, tristeza. Faz parte da vida. [...]
JUNIOR
Tudo bem se eu pegar lá o frango?
DINÁ
Meu amor, por que tu já perguntou várias vezes, tu não quer?
JUNIOR
Pro Eduardo e pra vovó não. Eu não quero impor..
DINÁ
Não tem nada, tem mamãe? A sra tá com medo dele? Quer dar umas porradas nele? Rsrs.
JUNIOR
Posso lhe filmar vó?
DINÁ
Tinha a mesma idade né mamãe? Era a diferença de um mês, por isso eu até me confundia, o aniversário da mamãe Elza com o dele. [cut]
EDUARDO
Teve agora, eu acho que foi hoje ou ontem, que o face sempre manda umas fotos antigas. E foi lá no restaurante, tá eu, a raquel, o lucivalzinho, e só pode ter sido o aniversário dele lá, com certeza. Nessa época.
DINÁ
Eu tenho uma imagem dele muito assim, de vivacidade, dele dançando em cima da mesa, ele e o Lucival. Tu lembra disso?
EDUARDO
Eles dançavam. [cut]
[...]
EDUARDO
Eu quase fui abrir o negócio do Nubank, o empréstimo, mas só que ia ficar muito alto o empréstimo. Eu ia pagar quase, eu acho que, 2 mil reais a mais de juros. Eu ia pegar esse dinheiro, pagar o celular.
DINÁ
Seja bem vindo meu amor.
EDUARDO
Põe ele aqui.. A gente conviveu tantos anos com ele.
DINÁ
O Eduardo falou uma vez um depoimento muito legal, que tinha ele como pai né Eduardo..
EDUARDO
Humhum. Porque a gente ficava ali ó, todo o tempo ali. Nós dois.
JUNIOR
E aí, eu abro?
DINÁ
Abra!
JUNIOR
Mas eu não vou abrir tudo.
ELZA
Por que? Tu tem medo que ele fuja?
EDUARDO
Kkkk. Olha, a mamãe é horrível.
JUNIOR
Não.. Sabe o que foi engraçado, é que lá no Rio, que é a outra parte da família do frango. Pra eles, é tipo assim, morreu, acabou. Não quero mais saber, já foi e tal. Aí, isso não é nada. Só que na hora que eu peguei a caixinha pra mostrar, ninguém queria se aproximar.
ELZA
Kkkkk.
EDUARDO
Eu vejo muito em filme né, aqueles filmes que eles mandam cremar. Nunca tinha visto assim. Na nossa família é quase mais cemitério.
DINÁ
Pra nós é diferente né, a gente tem que ver o corpo, velar o corpo. Quase que 12 horas, né mãe. Aí tem que fazer a reza, quem chora, chora, quem se lembra, se lembra.
EDUARDO
É, os católicos né, porque os evangélicos...
DINÁ
É, pros católicos, a questão de dar o perdão. Quem tem alguma coisa, perdoa, que ele siga em paz, que ele evolua para um espírito do bem. É isso aí.. O católico, já o crente eu não sei.
EDUARDO
Não, o crente, pra eles, o que ele tem que fazer ele já tinha que ter feito. Eles fazem o velório pra família, pra dar consolo pra família. O católico, ele já faz aquilo, também pra pedir pela alma dele, lá, junto à Deus, à Jesus. O crente já tem essa coisa de acabou, acabou.O que ele tinha que ter feito. Se ele se salvou antes, é antes e pronto. O católico não, ele quer interceder aqui, com as orações e as rezas, pro dito cujo lá. [cut]
DINÁ
Eu acho que todas as mortes são um fechamento de ciclos. Umas violentas, outras..
EDUARDO
Ah, deixa eu colocar uma música aqui que ele gostava, que era até daquela novela. Que ele dizia, até que enfim, tem uma música que tu gosta, mana, ele me escrotiava que só, rsrs. [...]
EDUARDO
Eu até herdei esse cd, laços de família, que é só música boa. Bem a cara dele né, bossa nova, frango. E por falar em frango, foi tu que botou esse apelido nele, ou fui eu? Foi tu né.
JUNIOR
Eu acho que fui eu.
EDUARDO
Que ele dizia, ei Ed, eu tenho pavor de ti, que tu coloca apelido no pessoal aqui, pega rapidinho. Não coloca em mim, rsrs. [cut] Não, porque sai umas coisas da minha boca doida, que na hora eu vejo e.. Dona Auxiliadora né..
JUNIOR
Não mas eu acho que Frango fui eu mesmo, porque na minha cabeça, ele foi ficando cada vez menorzinho, com os pelos brancos, parecendo um franguinho. [...]
JUNIOR
E como foi vó, quando chegou esse senhorzinho?
ELZA
Eu não gostei dele, nunca, nunca. [cut]
ELZA
Tu te lembra aquela vez que nós fomos no Museu, no Bosque. E aí eu disse, vamos Diná, ta chovendo né. Ai, ele disse, vá se embora, deixe ela comigo. Eu fiquei puta de raiva. Uma vontade de voltar e dar na cara dele.. rsrs.
EDUARDO
Mas depois eu acho que amenizou. Aí depois nasceu o princeso.
JUNIOR
Mas eu já tinha nascido né.
EDUARDO
Não, não. Isso foi início de namoro.
DINÁ
Eu conheci seu pai em janeiro. Quando foi em setembro, a gente passou a morar junto. Aí a mamãe não aceitava, porque ele tinha mais idade, porque talvez ele fosse camelô né. Então, toda a mãe quer o melhor, que a filha se case, né mamãe. Aí eu apresentei um senhor já, de barba branca, camelô. Aí foi..
EDUARDO
E essa barba dele foi sempre branca né.
DINÁ
Quando eu o conheci, eu conheci em janeiro, aí fevereiro, março, abril foi a minha colação como professora, ele já foi como meu namorado. Aí, a mamãe não cruzava com ele de jeito nenhum. Passou a colação, e quando um dia eu saí do trabalho, e ia pra lá com ele. Não tinha barraca, era no chão, ele botava as camisas dele no chão. Sempre muito organizado. E que eu olhei, tava o Tio Jovem em pé, na esquina de uma padaria, era ele magrinho olhando.Eu fiz de conta que não vi, e pensei, será que foi a mamãe que mandou o Tio Jovem vir olhar aqui pra ver como que era o negócio. Mas já tava na família o comentário que a Diná, que eu sempre fui bem quista na família por todos, preocupados comigo. Só quem aceitou assim de primeira foi a mamãe Cheda. Nunca ouve nenhum comentário, nem a Raquel também. E o Lucival também, quando se conheceram foi amor a primeira vista. Inclusive foi nos quinze anos da Raquel, que foi na casa da mamãe Elza, lá no Satélite. Então ele não ia porque não se dava com a mamãe Elza, então ele ficou em casa, uma quadra depois. E eu fui pra festa pra ajudar a mamãe. Aí o Lucival ficou comovido e disse, - cade o teu marido?, eu disse, tá la em casa. Ai eu levei o Lucival lá e foi assim amor a primeira vista. Foi o primeiro dia que eles se viram e ficou uma amizade pra toda uma vida. Aí ficaram ouvindo Roberto Carlos a noite toda. Amanheceram ouvindo Emoções, que é uma música que marca muito a amizade deles. E assim foi, assim digeriu a nossa história. [cut]
43:20
JUNIOR
E essa caixa, o que que vocês acharam?
DINÁ
Tá linda.
EDUARDO
Tá linda, tá um luxo. Bem estilosa, tá rústica.
DINÁ
Eu posso olhar dentro?
JUNIOR
Vocês tem curiosidade?
DINÁ
Eu tenho.
EDUARDO
Eu tenho mano, não tenho coisa pra..
JUNIOR
Abre aí.
EDUARDO
Bora logo abrir, bora, bora. Tô curioso aqui. Taí, olha aí.
ELZA
Ah, tá num saco né.
DINÁ
Do pó viemos, ao pó voltaremos. A nossa religião diz isso. Do pó viemos, ao pó voltaremos. Emocionante mesmo. 30 anos da minha vida. 30 anos que eu vivi intensamente, muito obrigada viu.
EDUARDO
Agradecer né, né.. Como é que eu chamava ele.. Não era franguito, era.. [...] Me esqueci agora. Da vez que a gente bebeu, que ele me deixou porre.. Porre não, eu tomei uma dose de whisk com ele, e eu disse que eu não aguentava.
DINÁ
Tomar uma por você, viu me lindo. [cut]
EDUARDO
Ai Viana, eu me lembro de cada coisa. Era umas coisas engraçadas que a gente ficava tirando, dando umas catitadas, umas fofocadas. Olha Viana, olha aquele negócio ali. A gente ficava conversando, ai entrava alguém, menino, ele dava umas tiradas assim. Aí num dia que a gente tava lá, ai deu uma bronca lá na luz. Ai, Eduardo, pera aí que eu vou ligar. Ai tem o telefone sem fio, ai a calculadora. Que isso Viana, que tu ta digitando? Ah não, isso é a calculadora. Pera ai que eu vou ligar pra Light, ah a Light é do Rio de Janeiro, pera aí que é a Celpa Viana. Kkkk. [cut]
47:15
A gente ria muito, eu também.Aí ele dizia, olha pelo amor de deus, eu sei como tu és, não me coloca apelido, porque tu coloca apelido, pega e é uma desgraça, não dá certo. Não coloca. Ai quem colocou o apelido nele? O filho dele colocou o apelido nele de frango, pronto. [cut]
Vemos EDUARDO passar o pacote para DINÁ, que observa e pensa. [cut]
EDUARDO
49:13
E ele nunca gostou disso, de enterro, de velório, ele sempre foi, pra ele era a vida, era a vida. [cut]
DINÁ
Pra ele, pra Umbelina, pros meninos, esse cortejo não existe pra eles. Essa questão de velar o corpo, ele nunca foi em nenhum velório, ele me acompanhou, mas ele não entrava, ele ficava fora.. [cut]
DINÁ, EDUARDO, ELZA, EWA e JUNIOR cantam parabéns em volta dos restos mortais de VIANA.
HUGO e DANI chegam em casa.
DINÁ
Oi meu lindo, oi minha linda. Meus amigos franceses mãe, meus amigos importados. Gente, essa é minha mãe.
DANI
Na verdade, só ele é importado, eu sou de Capanema.
DINÁ
Ah, é? Nossa, é verdade, é verdade! [cut]
75. INT/EXT. CARRO - RUMO A CAPANEMA - MANHÃ
Da janela do carro em movimento, vemos a placa em direção à Capanema.
Vemos imagens da estrada até chegar em uma das entradas de Capanema. Uma fábrica de cimento. Caminhões. Um portal "Bem vindo à Capanema".
JÚLIA, EWA e JUNIOR param na pracinha de Capanema e tomam açaí. JÚLIA pergunta se pode abrir a caixa. A noite cai.
76. INT. HOTEL - CONVERSA COM ZE - MANHÃ
JULIA
A gente tá aqui pensando se vai em Salinas, Ajuruteua, ou um monte de outras ideias. Como que é aquela história de Ajuruteua?
ZE
Ele tá filmando escondido daí, né? Vou fazer cara neutra.
JUNIOR
Bora rapaz, conta.
77. EXT. PRAIA DE AJURUTEUA - MANHÃ
JUNIOR
Será que é aqui que o franguito vai ficar?
JULIA
Sei não, sei não..
78. INT. CARRO NA ESTRADA - MANHÃ
JUNIOR
Amigo, você podar uma informação? Como a gente chega na estrada do Tentugal?
O rapaz na estrada informa como chegar lá. JÚLIA e JUNIOR se dirigem ao local. Observam a entrada da estrada de terra, e entram no ramal. O carro se desloca lentamente pela paisagem árida, espécie de sertão amazônico. O carro pára, JUNIOR desce e faz xixi na estrada. JÚLIA veste a camisa do paysandu e sai andando com a urna de madeira. A câmera observa frontalmente sua caminhada. Em seguida, de um contra-plano, vemos JÚLIA caminhar pela estrada se afastando cada vez mais.
Sobem os créditos do filme.
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FIM
uma realização de Empresa do Sensível + Estúdio Curica
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Projeto contemplado no Edital de Produção Audiovisual - Lei Paulo Gustavo 2024 categoria “Desenvolvimento de projeto audiovisual”

Projeto contemplado no Edital de Produção Audiovisual - Lei Paulo Gustavo 2024 categoria “Desenvolvimento de projeto audiovisual”